Os Portais do Entendimento
Luís Paixão
Ao António Telmo
Esta frase condicional do nosso maior poeta implica no sujeito que lê uma interrogação a si próprio. O que é essa coisa – o Amor? E, conhecendo-o, se o vive, em relação a quê ou a quem? Qual o grau, a medida e a intensidade que são condição? Não é a razão, não é o saber, não é a vontade, não é tampouco a memória – o amor é que é a chave para o entendimento. O amor de que aqui se fala é uma potência que não terá nada que ver com os modos de viver e sentir contemporâneos como a afectividade para com os automóveis ou outros objectos traduzida no “I love my car” ou na terrível e obscena substituição dos amores maternal, paternal, filial ou fraternal pela afectividade de um cão, de um gato ou de uma iguana, porque menos exigente em termos de relação ou de consciência do outro. Proliferam os veterinários para animais de estimação, a venda de brinquedos para os bichos e também os depósitos de pessoas a que se chama lares de terceira idade. Não que me anime o desprezo pelos animais, mas a diferença no grau de relação impõe seguramente maior sensatez nas atitudes. O amor a que se refere Camões tem como paradigma o amor entre o homem e a mulher na sua mais alta e radical assumpção, como incessantemente procurou nos sonetos da sua obra lírica, desafiando e expondo-se sistematicamente às flechas do irrequieto cupido, num intenso itinerário iniciático de um Fiel do amor. Tendo em mente o suplício de S. Sebastião, que foi morto trespassado por flechas, e numa hipótese algo arriscada, poderemos, por comparação, justificar a “enigmática presença” da figura do Santo, nas palavras de Paulo Pereira, no lugar do fundamento (Yesod) da Árvore Sefirótica, no Portal dos Jerónimos, e que adiante iremos desenvolver. Há naquela frase um outro aspecto que convida à reflexão e que é a duplicação do conceito entender no verbo e no substantivo, uma insistência que, de certo modo, agride o bom exercício da língua, e que só é compreensível em Luís de Camões pela exigência de chamar a atenção do leitor para qualquer coisa de importante. A palavra entender está em português ligada ao sentido da audição e tem implícito, além do de ouvir, o sentido de compreender o que se ouve. É portanto um ouvir inteligente. Na audição há o ouvido externo e o ouvido interno, tal como existe a palavra exterior e a palavra interior. Todos sabemos e aceitamos que os poetas se aproximam da língua falada por Adão e Eva no Paraíso. Não se pode gostar de poesia se se não apurar o ouvido interno. Quero dizer que quando leio poesia ou estou alheio e, de certo modo, apático e surdo; ou então algo ressoa em mim, que irmana com o que o poeta escreveu – e nesse momento acertamos na linguagem universal, aquela que existia antes da queda de Babel. Não há mal-entendidos, não há portanto esclarecimentos ou necessidade de tradução.
(...)
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