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quinta-feira, 5 de março de 2009

A PONTA DO VÉU, 10

Descoberta. Eis a marca da proposta com que Rodrigo Sobral Cunha colabora no primeiro número dos Cadernos de Filosofia Extravagante. Por ela se dá a conhecer Hazrat Inayat Khan – o nome de um sufi emergente na transição do século XIX para o século XX, e ainda quase desconhecido em Portugal –, mediante a tradução do texto meditativo intitulado “Be, and All Became (the Abstract Sound)”, integrado na obra The Music of Life. The Inner Nature and Effects of Sound. Essa versão surge precedida de uma nótula da autoria do próprio Rodrigo Sobral Cunha, que visa introduzir o leitor no universo de Inayat Kahn, e de cujo início antecipamos agora um trecho.

Rodrigo Sobral Cunha nasceu em Lisboa, aparentemente em 1967. Fez estudos de Filosofia, tendo-se doutorado na Universidade de Évora. Lecciona presentemente no IADE. É autor dos livros Filosofia do Ritmo Portuguesa, editado pela Serra d’Ossa em 2008, e A Teoria Silvestrina da Harmonia do Universo – Homem, Mundo e Deus na Obra de Silvestre Pinheiro Ferreira, também saído no ano passado, mas com a chancela da INCM. Tem desenvolvido ampla actividade como tradutor no domínio filosófico. É nadador nas horas intravagantes e jogador de bilhar nas extravagantes. Nas horas mais sérias, é caminhante. E é leitor da Flor de Oiro.
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SÊ, PARA QUE TUDO SEJA
(O SOM ABSTRACTO)

Nótula

“Harmonizar Oriente e Ocidente pela música” foi a tarefa que generosamente aceitou Hazrat Inayat Khan, “cuja nação era todas as nações, o local de nascimento o mundo, a religião todas as religiões e o trabalho o serviço de Deus e a humanidade”, como dele próprio disse. E ele mesmo caracterizou essa tarefa como “a mais difícil que poderia alguma vez imaginar”, ainda que a música, no sentido em que a entendia, fosse a própria essência do universo. A escala ideal da actuação magistral de Inayat Khan é dada no seu objectivo de “sintonizar as esferas interiores dos países num tom de vibração mais alto”. Foi praticamente há um século que esse sufi pisou o solo do Ocidente e o eco dos seus passos de paz pode escutar-se ainda com uma surpreendente nitidez.
Anotou ele num registo autobiográfico: “Fui transportado pelo destino do mundo da lírica e da poesia para o mundo da indústria e do comércio, a 13 de Setembro de 1910. Despedi-me da minha terra-mãe, o solo da Índia, a terra do sol, para a América, a terra do meu futuro, interrogando: ‘talvez eu regresse um dia’, e contudo não sabia quanto tempo passaria até voltar. O oceano que tinha de atravessar pareceu-me um golfo entre a vida passada e a vida que ia começar. Passei os meus momentos no barco a olhar para a subida e a descida das ondas e vendo aí reflectida a imagem da vida, a vida dos indivíduos, das nações, das raças, e do mundo.” Logo nos primeiros títulos das obras que publicou no Oeste, aliás num inglês de uma notável claridade, transparecem os aspectos perenes do horizonte contemplado:
“A Message of Spiritual Liberty”, “Pearls from the Ocean Unseen”. Mas era no exemplo pessoal e no contacto directo que especialmente se empenhava e raramente será encontrável algo de semelhante ao modo como Inayat Khan conjugou os pólos interior e exterior do fenómeno religioso; já que, conforme entendia, “a religião é a fundação de toda a vida no mundo e enquanto não se estabelecer um entendimento entre os seguidores de todas as diferentes religiões, será sempre difícil esperar por melhores condições”. Ciente da magnitude da causa a que se dedicara e procurando sempre transcender todas as limitações, até para melhor conhecer o ilimitado, podia assim observar: “quanto mais se alarga o ponto de vista, maior é a alma”.

(…)

Rodrigo Sobral Cunha

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