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terça-feira, 7 de setembro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 92



Crónica quinta da beira-mar
Eduardo Aroso

Oficializar o disparate parece ser uma obsessão do homem contemporâneo. Notícia recente: num texto publicado no British Journal of Sports Medicine, médicos da Universidade de Londres defendem que a preguiça deve ser considerada uma doença.
Não me foi possível apurar qual o conceito de preguiça a que se referem. Sem querer que «o sapateiro vá além da chinela», isto é, admitindo que possa haver formas de indolência como sintoma de doença, e tomando também o modo como a notícia é divulgada, aceita-se convictamente que a preguiça é uma doença (coitados dos preguiçosos!). Oficializada a descoberta para governos e desgovernados, temos assim o sustentáculo legal para aplicações legislativas em certos campos da actividade humana, mormente no mundo do trabalho. Mas não só, pois, desta maneira, é possível actualizar a ética, podendo mesmo surgir uma nova forma: a ética light.
Devemos, todavia, admitir que este estudo científico tenha um inusitado alcance filosófico, ou seja, que já entre em linha de conta com o conceito grego de ócio, em que a disposição criativa sopra ininterruptamente todo o santo na vida do ser humano, e assim fica-nos a preguiça como uma desarmonia, a combater talvez com um novo medicamento… Havendo nesta conclusão científica o referido vislumbre filosófico, o do ócio separado da preguiça que, no fundo, vai dar à expressão de Agostinho da Silva, «o homem não nasceu para trabalhar, mas para criar», tudo isto constitui o epílogo da era industrial que adoptou como emblema a frase «time is money».
Só na sociedade do lucro as horas são dinheiro. E neste modo de vida e de pensar não pode ser de outro jeito. Em verdade, em verdade, lembro o que o professor também dizia: «O tempo dá-o Deus de graça». Já agora, como se fosse uma tertúlia, juntemos-lhe a voz do povo que diz «Deus dá pão, mas não miga sopas». Cientes do impacto da notícia, e estando então oficializada a preguiça, é de admitir que um dia destes alguém escreva (cientificamente comprovado) o adágio popular desta maneira: se Deus dá pão, então que migue também as sopas!
Agosto de 2010

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