(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



sábado, 19 de fevereiro de 2011

EXTRAVAGÂNCIAS, 122



Saber de cor ou a sabedoria do coração

Cynthia Guimarães Taveira

Num resumo muito resumido dava ontem na RTP 2 um documentário científico sobre o coração. Conclusões: o coração possuía células nervosas muito semelhantes às existentes no cérebro, de tal modo que se poderia falar num “pequeno cérebro” que vive dentro do coração. Feitas experiências com muitos fios eléctricos, percebeu-se que perante a visualização de uma imagem o primeiro órgão a reagir era o coração e não o cérebro. Mais do que isso, perante a imagem dada o coração reagia e, em fracções de segundo, passava a reagir de uma forma diferente consoante a imagem seguinte que ainda nem sequer tinha sido dada a ver, ou seja, o coração tinha a capacidade de adivinhar a imagem seguinte reagindo antes de tempo. O coração conseguia enviar informações para o cérebro e o cérebro enviava informações para o coração. O coração possuía memória e uma espécie de inteligência emocional, a tal ponto que aqueles que recebiam corações de dadores, em certos casos, pareciam terem mudado de personalidade. Mostrou-se o caso de um senhor que toda a vida tinha sido um pouco abrutalhado e pouco delicado para a mulher e que, depois de ter recebido o coração do dador, passara a escrever poesia de amor quando nunca tinha tido qualquer tendência para a escrita. Investigado o mistério, descobrira-se que o dador era um amante e escritor de poesia e uma pessoa extremamente sensível. O coração consegue também apreender de outros corações o que se passa com eles. Aquilo que dizemos comummente, “esta pessoa tem boas ou má vibrações”, é afinal produto das mensagens que enviamos uns aos outros pelo coração. Na Escócia, depois de muitos estudos, chegou-se à conclusão de que o número elevado de mortes por doenças cardíacas se devia sobretudo à falta de esperança, mais do que ao excesso de tabaco ou à comida de plástico; era nas classes mais pobres e tristes que se morria mais cedo (20 anos de diferença). Existe uma síndrome de Coração Partido. Depois de um choque ou de um desgosto, o coração muda de forma porque é bombardeado com substâncias libertadas quando há um elevado nível de stress. O coração fica com a forma de um balão, podendo ser curado pela ausência de stress e por técnicas de meditação.
Dizia o António Carlos Carvalho: “Estão eles a gastar fortunas nestes estudos quando bastava ir falar com um mestre chinês.”
Dizia Alexandra Pinto Rebelo: “Hoje em dia os argumentos de autoridade na retórica são os da ciência e não os da religião”.
Dizia Camões que “segundo o amor que tiverdes, tereis o entendimento dos meus versos.”
No fundo da nossa cultura há como que uma expectação da prova. A esperança na demonstração: o mundo é um espectáculo de ilusionismo e tem sempre um truque por detrás susceptível de ser demonstrado, passo a passo, racionalmente. A cultura ocidental tem como motor invisível o Complexo de S. Tomé: ver para crer. É claro que este complexo tem duas faces: na primeira, a crença só é possível depois da prova; na segunda, mais esotérica, a clarividência é a verdadeira experiência. Na nossa civilização, muitas vezes ficamo-nos pela primeira face: aquela que pertence ao cérebro. A segunda pertence ao coração: ver com o coração. Saber de coração. Saber de cor. Saber. Sabedoria.
Assim, a filosofia portuguesa não está imune a esta encruzilhada: saber com o cérebro ou saber com o coração. António Telmo é diferente dentro do seio da Filosofia Portuguesa porque procurou fazer com que a informação passasse do cérebro para o coração e vice-versa. E era extremamente criativo por isso mesmo e porque se limitava a seguir a natureza.
O perigo dos sistemas é igual ao perigo que corremos como civilização, o das prisões, o das ditaduras, o de um materialismo oco e vazio (sem ser cheio). Existe o risco de António Telmo não ser considerado um filosofo dentro da chamada Filosofia Portuguesa. Eu diria antes que, enquanto não se escutar o que António Telmo disse, a Filosofia Portuguesa estagnará num limbo pois que, preocupada com os sistemas, se esquece da Sabedoria. Agostinho da Silva sabia isso muito bem, daí o seu amor ao Culto do Espírito Santo que prepara o mundo para o tempo em que não haverá prisões. Aquilo que a mente prende o coração liberta. Amar a pátria é uma libertação porque a nossa pátria contém o sonho desse mundo livre.

3 comentários:

  1. Texto muito interessante. Vem mesmo a propósito, numa época em que se diz que tudo está no cérebro, que as próprias emoções estão lá (!), etc. Ainda não há muito tempo, como assistente, estive numa conferência muito bem feita (assim me pareceu), sob o ponto de vista da ciência, particularmente de anatomia e de neurologia, tendo eu todavia exposto o meu ponto de vista que se pode resumir assim:
    embora seja inquestionável, hoje, pelos estudos feitos, o cérebro (honra seja ao nosso António Damásio) nas várias e apropriadas zonas reflecte certos estados anímicos e intelectuais que se podem observar e até quantificar (seja-me perdoada a expressão, que não sei se é correcta). Não significa isto porém que o dito cérebro seja o centro, ou seja, a causa, tendo eu dito que o cérebro comportar-se-ia como uma tela onde se projecta algo – que bem se vê – mas aquilo que se projecta na tela vem de uma fonte, neste caso o computador. Ora aqui, embora a imagem seja um pouco prosaica – o coração, o centro, é o computador. O que está dentro dele precisa de algo onde se projecte, para que se veja.
    Claro que nem tudo é assim tão simples, pois certas zonas afectadas do cérebro podem ser fatais, como sabemos, mas também se sabe-se hoje com certeza que qualquer zona do mesmo, afectada, todo o resto do corpo, e de um modo imediato o mesmo cérebro, “conspiram” para reparar essa zona. Por aqui se vê a unidade do espírito que move todo o corpo.
    Mais directo no assunto: TODAS AS TRADIÇÕES ESPIRITUAIS AFIRMAM QUE O CORAÇÃO ENQUANTO CENTRO É A SEDE NÃO SÓ DE EMOÇÕES E SENTIMENTOS COMO DA MAIS ALTA INTELIGÊNCIA (SABEDORIA). É claro que hoje se entende isto como uma coisa vaga, quando muito uma metáfora, mas que não encaixa bem na tal hábito pós cartesiano de «ver para crer», profetizado por S. Tomé (oh, como ele teve essa ingrata missão de deixar esta lição, ou representação, para humanidade).
    A ideia do coração como centro do Amor e da mais alta Sabedoria está bem vincada na Bíblia, do Antigo ao Novo Testamento, e mais recentemente assim o disseram Guénon, Rufolf Steiner e Heindel, entre outros. Curiosamente, entre nós, e apesar das suas incursões pelo mundo da ciência, em «A Alegria, a Dor e a Graça» de Leonardo Coimbra, está lá tudo, e, em minha modestíssima opinião, é isso que dele perdurará para sempre, e não tanto outros escritos.

    (Continua no próximo comentário)

    Eduardo Aroso

    ResponderEliminar
  2. (Continuação)

    «António Telmo é diferente dentro do seio da Filosofia Portuguesa porque procurou fazer com que a informação passasse do cérebro para o coração e vice-versa», diz, e bem, a Cynthia. Infelizmente, ainda há quem duvide que o futuro da humanidade seja o de ligar o coração com o cérebro (mente). Melhor seria até dizer (re) ligar o cérebro com o coração, já que aquele se afastou em demasia deste.
    De facto parece-me que vai levar tempo para entender o pensamento de António Telmo, que aliás segue, inquestionavelmente, e neste particular, a tradição do pensamento português, bem patente em Sampaio Bruno, por exemplo, que é a de libertar o homem trabalhando com a natureza, isto é, dentro dela e não fora. A filosofia alemã (e não só) vocacionada para os sistemas, está assim nos antípodas do pensamento português. Por isso, os livros escolares e outros, fruto de influências estrangeiras, estão cheios de expressões como «dominar natureza». Parece que o homem deve dominar a natureza, como se está (no interior, que é o que interessa à filosofia) fosse um “bicho feroz”!!! O melhor SISTEMA (a liberdade de ir além sistema) será sempre posicionar o ser humano na natureza (por fora e por dentro) pois em verdade não existe fora dela, como não existe fora de um lugar, mesmo que viaje de um lado para o outro.

    “Segundo o amor que tiverdes, tereis o entendimento dos meus versos.”
    Parece assim que o grande Camões está fora dos sistemas, pois diz claramente que o amor (coração) ajuda a compreensão racional (cérebro). E não esqueçamos uma outra, semelhante, de Pessoa «O que em mim sente está pensando». Muito mais haveria a dizer, mas o comentário vai longo.

    Saudações amigas

    Eduardo Aroso

    ResponderEliminar
  3. Muito obrigada pela atenção, pela compreensão e pelo óptimo texto de comentário.

    Saudações amigas

    Cynthia Guimarães Taveira

    ResponderEliminar