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quinta-feira, 10 de março de 2011

EXTRAVAGÂNCIAS, 127



Einstein ainda é um bebé

Cynthia Guimarães Taveira

Provavelmente seria uma mentira construída meticulosamente pela sua mente em consequência dos fragmentos dos seus próprios sentimentos, mas soava-lhe a verdade, a única que se poderia ter numa era pós Einstein. Teria sido este cientista a ditar, sem que, provavelmente, o soubesse, as leis com que as sociedade ocidentais se iriam governar. A relatividade, em termos visuais, surgia-lhe como um fogo de artifício, cujo brilho e a alegria escondiam o eclipse do próprio tempo ou o tempo na sua verdadeira essência, como aquilo que “passa e não fica”, nas palavras de Fernando Pessoa. Vivia, estava certo, na Era do predomínio do tempo sobre o espaço. As antigas civilizações reinventavam o espaço, com seus grandes monumentos, desde os menires aos templos dos faraós, desde as estradas romanas até às catedrais góticas e o último esforço dessa viagem pelo espaço foram os Descobrimentos, em que, pelo excesso de espaço, se entrou numa nova época, sem que disso os descobridores de novos mundos se apercebessem (mesmo que muitos desses novos mundos fossem já conhecidos) , a época do tempo marcada de forma absoluta pela ideia de “progresso”do século XIX. O progresso faz-se no espaço com a tecnologia mas é o tempo que o força e o impulsiona. O progresso é uma consequência do tempo, a tal ponto que se pode afirmar que o progresso é uma consequência “natural” do tempo. A tecnologia entra, assim, no domínio da natureza porque naturalmente acontece, naturalmente é a única coisa que pode acontecer. E o progresso, bem como os valores, passam e não ficam, como um rio.
Tradicionalmente, em termos simbólicos, mas também porque a natureza assim o ditava, o tempo estaria ligado ao aspecto feminino da natureza e o espaço ao lado masculino. Daí que René Guénon tenha sido levado a dizer que vivemos numa época predominantemente feminina e que isso constituiria um consequente afastamento da “Tradição”, ou vice-versa, ou seja, o afastamento da “Tradição” tinha como consequência um predomínio do aspecto feminino sobre o masculino. É de facto com esta nova Era que a mulher vai ter acesso àquilo que, em termos práticos, fazia parte do universo masculino: o acesso à educação formatada academicamente, o acesso à livre iniciativa em todos os domínios: desde o sentimental passando pelo profissional e acabando no acesso ao próprio sacerdócio, campo antes confinado ao interior do lar com a passagem de histórias tradicionais aos filhos e netos, ou no acesso à vida religiosa sem que a palavra pudesse mover massas, como se dava com o caso dos homens. O sacerdote é aquele que fala para os outros e que está, de alguma maneira, incumbido de um poder espiritual que dele emana e cujas acções têm influência na vida dos seus contemporâneos. Já a santidade é outra coisa, pois a influência ultrapassa a esfera do contemporâneo, podendo um santo medieval influenciar acções, sentimentos e pensamentos por muitos séculos. A santidade está para além da questão sexual.
Com este predomínio do eclipse ou essência do tempo no qual as variáveis são sempre superiores às constantes, corre-se o risco de uma Idade das Trevas. Se é dito comummente que a Idade das Trevas medieval o era devido à pobreza, à falta de cultura, a uma submissão a uma religiosidade com contornos demasiado supersticiosos, à ausência quase total de tecnologia e conhecimentos médicos, à ausência de direitos humanos, ao papel reduzido da mulher, a um poder selvagem dos grandes senhores sobre os escravos, às guerras que facilmente explodiam em todos os lugares da Europa, enfim, ao passear constante dos quatro cavaleiros do apocalipse pelas florestas, aldeias, vilas e cidades, hoje todos esses problemas existem com maior ou menor força à escala mundial. Vivemos na Idade das Trevas, mas esta é mais real do que a outra, porque, cegos, nos convencemos de que derrotámos os quatro cavaleiros do apocalipse, que estes nunca mais voltarão para nos ensombrar a vida e, no entanto… seus cavalos, suas espadas, suas capas luzem no ar mais intensamente do que nunca: a pobreza continua a existir em grande escala, até porque a população mundial aumentou exponencialmente, a Internet não trouxe cultura, o ensino é pobre (saber ler e escrever não é o mesmo que a literacia), a espiritualidade é algo de muito confuso hoje, em que as seitas, igrejas, espiritualismos vários convivem lado a lado com a intolerância e os mais variados fanatismos, os conhecimentos médicos que existem são submissos ao negócio das farmacêuticas, os direitos humanos em muitos países não são tidos em conta, as mulheres ainda necessitam de um dia que lhes seja dedicado para serem lembradas, a natureza, essa, novidade das novidades, neste percurso tenebroso da História, nunca foi tão mortificada em nome da tecnologia, há mais escravatura hoje no mundo tanto em número de escravos reais (segundo dados estatísticos recentes) como em escravos dos sistemas políticos e económicos, e as guerras, essas, continuam alegremente, com duas Mundiais para rematar bem, esta sim, a verdadeira Idade das Trevas.
A única possibilidade de luz está no facto de nos darmos conta de que não a temos nem a vivemos. E de que a luz está para além do espaço e do tempo. Os alquimistas sabiam desde há muito que não são as mesmas circunstâncias que criam os mesmos fenómenos, ou seja: com as mesmas condições poder-se-ão dar fenómenos diferentes e com condições diferentes poder-se-ão dar fenómenos iguais. Eis a verdadeira relatividade, aquela do Espírito e não a relatividade materialista em que vivemos, que acaba por não ser relativa coisa nenhuma, antes preocupantemente previsível.

1 comentário:

  1. Muito interessante as relações que estabelece entre espaço e tempo. O texto espraia-se bem.

    Não penso que os tempos actuais, por mais tenebrosos que sejam, e se considerarmos a vida no seu todo, sejam piores que os de antanho, isto é, se os compararmos linearmente. Todavia, a Vida, em qualquer circunstância, processa-se em espiral. E assim, deste ponto de vista, são piores, pois, hoje, JÁ DEVIAM SER MELHORES. Quando não se distingue entre mal e bem, uma má acção poderá ser desculpada, ou não, consoante as circunstâncias próprias do contexto. Mas quando alguém conhece o bem e o mal, destrinçando-o, quando opera negativamente terá, logicamente, menos desculpa. Assim, quando se cometem as monstruosidades que conhecemos, seja no domínio das indústrias farmacêuticas, seja no negócio de armas de guerra, ou na negação do contrato social, do qual derivou o contrato de trabalho (negação do Homem com o Homem), tudo em nome do lucro, temos que pensar que estamos piores, pois estamos a negar uma mais alta consciência da vida que ao mesmo tempo não se admite a si própria.
    Thomas De Koninck em «A Nova Ignorância e o problema da cultura» (ed. 70), no prefácio de abertura diz «Existem, na realidade, duas forma de ignorância que poderíamos qualificar como «novas»,, mas que são diametralmente opostas. A primeira abre e liberta, a segunda aprisiona e mata. A primeira, que se deve enaltecer, traduz-se por novas interrogações suscitadas por novas descobertas. É o motor de todos os progressos do saber. A segunda, pelo contrário, faz viver na ilusão de que se sabe, quando, na verdade, não se sabe, e assemelha-se ao que Platão chamava «dupla ignorância». (…) Não existe outra via senão a da cultura ou a da violência, e isto foi demonstrado pelos gregos e corroborado pela experiência de milénios. Na medida em que o «logos» falta, a violência cresce».

    As melhores saudações

    Eduardo Aroso

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