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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



sexta-feira, 10 de abril de 2009

EXTRAVAGÂNCIAS, 11

Santa Liberdade
por Pedro Martins

Como sou jurista, gosto de pensar, porventura erradamente, que o princípio da indivisibilidade da confissão vale também para o domínio da hermenêutica poético-filosófica. No fundo, isto pode querer dizer que nos não é lícito levar em conta no pensamento alheio apenas aquilo que nos agrada ou convém. Um autor há-de valer por tudo quanto disse e escreveu, mesmo que amiúde se contradiga. Lembre-se, a este propósito, o caso extremo, e sumamente inquietante, de Teixeira de Pascoaes, pensador refractário a qualquer cristalização. Não teremos nós de o considerar no desconcerto do seu movimento perpétuo? Creio bem que sim.
Mas, mesmo para Pascoaes, há palavras que são como âncoras. Uma, pelo menos: Liberdade. Não se cansou de repeti-la, numa entrevista que, em 1949, concedeu ao Diário de Lisboa, em apoio à candidatura do General Norton de Matos, contra o regime salazarista. Nela, o poeta distingue a justiça, ligada ao pão do corpo, da liberdade, ligada ao pão do espírito. Aquele deve ser igualmente distribuído por todos; este, consoante o que for do agrado de cada alma.
O entrevistado cede ao prosaísmo quando, logo depois, resolve pôr as coisas por claro:
– Quero pensar conforme as minhas tendências intelectuais e sentimentais ou filosóficas e religiosas. A liberdade filosófica e religiosa é a liberdade suprema.
Só por si, esta última frase seria o bastante para inscrever Teixeira de Pascoaes na lista gloriosa daqueles que, na casa de Portugal, sempre souberam honrar a santa Liberdade. Não vale a pena enumerá-los: estão lá quase todos.
Mas Pascoaes vai mais longe, e chega a afrontar a censura quando explica:
– Necessitamos duma certa desordem na ordem, a respiração do ar, em Abril, que fecunda as plantas, e o bater das asas que andam a construir os ninhos. Desta certa desordem ou liberdade deriva a liberdade política, a formação de vários partidos simbólicos de vários ideais políticos dignos de existir e colaborar no Governo dum país. Um único partido legal tem uma existência passiva e infecunda.
Não se confunda o sonho do vate com a realidade actual, mesquinha e rasteira. Tal como as coisas estão, há sempre um partido único no governo do país.
Na esteira de Sampaio Bruno, seu mestre, que n’O Brasil Mental se declarara “socialista anarquista”, ansiava Pascoaes por um culto cristão que conciliasse a liberdade espiritual, anarquista, com a fraternidade amorosa, comunista. Escreveu-o em A Minha Cartilha, sensivelmente na mesma época em que concedeu a entrevista ao Diário de Lisboa. Tal como Álvaro Ribeiro, o poeta estava ciente de que o filósofo não é um homem de partido, e de que a verdade se divide na concorrência das doutrinas.
Renato Epifânio irá colaborar no segundo número dos Cadernos de Filosofia Extravagante com um artigo a favor do novo Acordo Ortográfico, que já escreveu e deu a conhecer, em três entradas publicadas ontem no blogue da Nova Águia. Mesmo ciente de que, sobre esse assunto, muitos de nós pensam de modo diferente, e até oposto, não deixou de, com galhardia, aceitar o repto, que António Telmo lhe lançou, de defender as suas ideias. Seja bem-vindo.
Na imagem: Teixeira de Pascoaes
Água-tinta sobre papel de António Carneiro

1 comentário:

  1. Os meus parabéns pelo vosso trabalho. Este é um daqueles (poucos) projectos que vale a pena seguir. E apoiar...

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