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quinta-feira, 18 de junho de 2009

PENSANDO À BOLINA, 6

Pedro Sinde


Brevíssimo diálogo desconcertante
Encontro um amigo na rua e saúdo-o naquele estado habitual em que se saúdam as pessoas umas às outras, quer dizer, em que é o hábito social a falar por nós, em que perguntamos sem que esperemos uma resposta verdadeira.

- Como estás? Correu-te bem o dia?
Olhou-me com ar pensativo. Estranhei a demora na resposta; não é normal, perante uma banal pergunta de cortesia, o nosso interlocutor ficar mesmo a pensar nela. Ele levou a sério a pergunta. Ao fim de algum tempo, que mais parecia não ter fim, respondeu, fitando-me profundamente:
- Sinde, meu caro, passou mais um dia, foi milagre atrás de milagre e, no entanto, eu vivi-o como se fosse natural estar vivo...
- Como assim? - perguntei, ainda absorto no meio da estupefacção.

Na imagem: Impressão: nascer do sol, de Claude Monet

- Repara, o sol ergueu-se no céu e veio iluminar a terra; eu despertei como que da morte, pois deitei-me de noite e só me levantei com o sol a erguer-se e não me lembro de nada entre o deitar e o levantar; andei, senti, pensei, pude olhar o mundo e tudo isto sem sentir que estou vivo. Não é espantosa a estupidez a que se pode chegar?

- Pois - balbuciei, turbado e desconcertado. - Até amanhã, Denis! - preferi despedir-me, antes que eu mesmo começasse a sentir que estou vivo.

texto originalmente publicado no blogue Maranos

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