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quinta-feira, 2 de abril de 2009

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 4

António Carlos Carvalho

Parece que desta vez é que a coisa avança: Trancoso vai finalmente ter o seu Museu Bandarra e o seu Centro de Interpretação Judaica Isaac Cardoso. Há mais de três anos que um grupo de consultores, do qual faço parte, trabalha neste duplo projecto, apresentando ideias, elaborando sucessivos estudos e documentos, mas o Município enfrentou sucessivas dificuldades em dar concretização ao que se propunha. A ordem de avançar surgiu agora.

A ser assim, vamos ter em Trancoso um museu dedicado a Bandarra, à História de Trancoso e a outras figuras importantes da terra. Além do sapateiro-trovador a quem muitos chamaram «profeta», o museu incluirá um observatório de messianismos, milenarismos e visões apocalípticas, proféticas e utópicas na esfera da chamada lusofonia. Ou seja, pretende-se que Trancoso se torne o principal centro de estudo destas importantes questões, mesmo a nível internacional.
Quanto ao Centro de Interpretação Judaica Isaac Cardoso, do qual foi já lançada a primeira pedra, destina-se a albergar a memória dos judeus da cidade – os que ali nasceram e viveram e os que dali foram obrigados a fugir, perseguidos pela Inquisição, exilando-se em lugares tão distantes como a França, a Holanda, a Polónia, o Brasil ou o México. Este Centro vai ter um espaço de exposições, um espaço museológico dedicado ao passado judaico da cidade e também um espaço de oração para os visitantes judeus: uma sinagoga, que se chamará Poço das Águas Vivas, uma vez que o Centro vai ser erguido junto do velho mas sempre vivo Poço do Mestre.
A atribuição do nome de Isaac Cardoso a este Centro justifica-se plenamente pela vida e obra exemplares deste filho de Trancoso, ali nascido em 1603 ou 1604, mas que foi obrigado a viver em Espanha (onde estudou nas universidades de Valladolid e Salamanca, doutorando-se em medicina, ensinou filosofia, publicou sonetos, foi amigo de Lope de Vega, publicou tratados científicos) e depois em Veneza (onde se assumiu como judeu e publicou «Philosophia libera», 1673 – considerada por Yosef H. Yerushalmi como «a primeira obra maior de filosofia geral escrita e publicada por um judeu praticante numa língua profana e destinada desde o início a atingir um vasto público europeu») e em Verona, onde viria a morrer em 1683. Em 1679 ainda publicou em Amesterdão a obra «Las Excelencias de los Hebreus», dedicada ao português Jacob de Pinto, e em que cita o Bandarra, Damião de Góes, Samuel Usque e Menasseh ben Israel.
O nome de Isaac Cardoso é conhecido, respeitado e venerado em muitos lugares do mundo, excepto em Portugal, como de costume. No entanto, em Trancoso, onde nunca foi esquecido, há uma rua com o seu nome, situada precisamente junto do local onde se vai erguer este Centro.
Pelo menos, é o que está previsto.

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