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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

SABEDORIA ANTIGA, 6



Alexandra Pinto Rebelo

Existiu um certo embaraço em relação à construção de algumas imagens desde o início do cristianismo. Essa falta de à vontade teve vários motivos. Entre os principais, encontramos a proibição bíblica "(...) não deves fabricar imagens esculpidas de qualquer coisa semelhante àquelas que estão no céu, acima, ou na terra, abaixo". (Dt. 5,8). Outro motivo forte, era o repúdio completo pelas formas de culto pagãs que atribuiam às estátuas de culto um valor hierofânico, isto é, eram o lugar onde o divino se manifestava activa e quotidianamente.

As primeiras imagens não tinham como objectivo atrair orações ou venerações. O seu objectivo era oferecer uma referência visual a uma história bíblica central para os valores cristãos. A figura do Bom Pastor, por exemplo, não era um retrato de Cristo mas uma metáfora expressando as qualidades de Cristo como condutor de almas. Os cristãos divergiam dos seus vizinhos pagãos por evitarem um certo tipo de imagens, não por evitarem imagens em geral. Quando o retrato sagrado passou a ser uma representação recorrente, o problema voltou a colocar-se de uma forma mais intensa. Como era possível representar a essência de Deus, visto que se tentava representar o irrepresentável?

João Damasceno argumenta então, no séc. VIII, a favor da imagem. Para ele, aquilo que se representa não é a essência de Deus visto que isso é uma impossibilidade. Não se representa o invisível, mas aquilo que se fez visível. De facto, o Deus do Antigo Testamento torna-se carne com Cristo. De alguma forma torna-se Ele Próprio imagem. A proibição do Antigo Testamento refere-se, então, a esse primeiro momento, em que Deus é só essência irrepresentável. Deus não poderá proibir a representação icónica a partir do momento em que se torna visível, perceptível como figura.

Quem negar os ícones, nega, ao mesmo tempo o mistério da encarnação.

O texto de Damasceno irá tornar-se uma referência até ao séc.XV.

1 comentário:

  1. A questão das imagens/ícones é um assunto com alguma complexidade e, como todos sabem, tem tido vários pontos de vista ao longo dos tempos. Para resolver este complexo assunto, veio outro – não menos labiríntico! – que é o dos símbolos, já não propriamente imagens, mas o que se interpõe entre a realidade sensível e o não representável, a que poderíamos chamar transcendente, ou o caminho já aberto para tal. A confusão, ao longo de séculos, tem sido a ambiguidade que existe em discernir o transcendente do imanente, que é um modo de dizer, pois não sabemos o primeiro termo de comparação: apenas a conjectura pelo contrário. O bom professor que se esmera, nem sempre actua de modo a que o discípulo veja claro. Também a Igreja, na tentativa de educar as pessoas em geral (não falo agora de um círculo interno dentro da Eclesia), para não entrar na dificuldade de pedagogia ou catequese, ou por outras razões, lá foi ensinando (permitindo) as imagens, dentro de certos limites, nomeadamente de santos.
    A Bíblia é clara, condenando imagens do Criador, Deus Único, desde o Antigo Testamento até S. Paulo, por exemplo. Mas entre Ele e as criaturas, seres humanos ainda que virtuosos chamados santos, interpõe-se, ou melhor, envolve-nos o Verbo, e aqui, o Filho, Deus incarnado, mas Deus imanente, e imanente porque o vemos e vivemos na matéria. Se bem que todos, sem excepção, «Em Deus, vivemos e nos movemos», porque n’Ele e d’Ele viemos à existência, muitas vezes a própria Igreja não direi que se esqueça, mas esquece-se de nos lembrar que entre os santos e Deus há muitos “departamentos” ou hierarquias; anjos, arcanjos, querubins, potestades, tronos, etc, etc.
    «Quem negar os ícones, nega, ao mesmo tempo o mistério da encarnação». Assim é, pois de algum modo podemos dizer que através deles se apreende melhor o que é possível apreender. Todavia, é importante dizê-lo, pelas razões que apontei, devemos ficar por aqui, em minha humaníssima e modesta razão.
    A linguagem imediatamente a seguir à imagem é a do simbolismo, a meio caminho entre o real e o mais transcendente, mas talvez ainda não o puro transcendente. Por sua vez, o simbolismo gera imagens mentais naquele que o medita e contempla, mas isto já é outro assunto dos ícones de representação sensível.

    Eduardo Aroso

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