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sábado, 28 de fevereiro de 2009

EXTRAVAGÂNCIAS, 2

Ao redor de Jaime Cortesão
I – Um estranho esquecimento
por Pedro Martins

Houve na Renascença Portuguesa um triunvirato insigne, formado por Jaime Cortesão, Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra. Entre os vultos que integraram o movimento portuense, foram eles os que, no seu seio, lograram exercer a influência mais duradoura. É certo que Fernando Pessoa, movido por um ímpeto decisivo, também por ali passou – para anunciar urbi et orbi o cometimento genial da nova poesia portuguesa. Mas o aparato luminoso da sua rota apontava já a outras constelações: a fugacidade meteórica com que o ensaísta debutante perpassou as laudas d’A Águia era bem a promessa de um estrelato singular a que, em verdade, nenhum dos três maiorais renascentistas se conseguiu, entretanto, alçar. E se, em nossos dias, os nomes de Pascoaes e Leonardo começam a granjear indícios de moderado reconhecimento, ao invés, dá-se presentemente um caso estranhíssimo com a memória de Cortesão: a aura que, anos a fio, nimbara de prestígio clássico a sua figura tremenda como que se dissolveu nas trevas do oblívio.

Nas últimas décadas, com efeito, o vulto do historiador de Os Descobrimentos Portugueses tendeu a cair num esquecimento tão penoso quanto inaceitável. A sua poesia, que no alto juízo de Pessoa seguia a par das melhores estrofes de Pascoaes, é hoje simplesmente ignorada, quando não combatida, por amplos sectores de uma putativa crítica literária, como se infere da defesa denodada que António Cândido Franco, ante o inevitável juízo estreito de Óscar Lopes, teve de fazer do autor de Glória Humilde. As suas peças teatrais, como as de outros dramaturgos que por desdita nasceram em Portugal, estão há muito ausentes dos nossos palcos. E as suas Obras Completas, em curso de publicação na Imprensa Nacional – Casa da Moeda, marcam passo vai para uma década, depois da vigorosa arrancada editorial que, durante os anos noventa, permitiu devolver ao público ledor alguns dos títulos fundamentais da sua extensa produção. No que toca à bibliografia passiva, o panorama é ainda mais desolador. À parte o precioso volume documentado que Alfredo Ribeiro dos Santos lhe consagrou em 1993 (Jaime Cortesão – Um dos Grandes de Portugal), e o livrinho que José Manuel Garcia já publicara em 1987 na colecção O Essencial, estarei em crer que nenhuma outra súmula ou obra de fundo permite atestar, desde as comemorações do centenário de Cortesão (ou seja, desde 1984), um assomo de interesse pelo seu legado incomparável.

No próximo ano, não se celebra apenas o centenário da implantação da República. Assinala-se também a passagem de um século sobre a publicação d’A Morte da Águia, poema heróico que foi o livro de estreia de Jaime Cortesão, e é título fundamental no rol livresco da nova poesia portuguesa. E comemora-se ainda o cinquentenário da morte do autor de O Humanismo Universalista dos Portugueses, homem livre e patriota que, como poucos, soube honrar a ideia republicana entre nós.

Entre o formal nascimento literário do escritor e o desaparecimento físico do corajoso cidadão coube uma assombrosa aventura espiritual de meio século. O ano de 2010 tem, desta sorte, o condão fascinante dos oráculos. Pelo seu decurso se verá em que medida o insinuante perfume da amnésia nos vem inebriando num sono de morte.

1 comentário:

  1. Belíssimo texto para um elegante e vibrante abanão nos espíritos aparentemente distraídos...

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