(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



segunda-feira, 29 de novembro de 2010

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 47


(Fotografias de Alberto Peixoto)

António Carlos Carvalho

Folheando papéis velhos (guardo poucos recortes do que escrevi nos jornais), encontrei um texto publicado exactamente há trinta anos. Lembrei-me então de visitar o hospital onde Fernando Pessoa morrera quarenta e cinco anos antes -- o Hospital de S. Luís dos Franceses, na rua Luz Soriano, em Lisboa. Levava comigo, como guia, a biografia de Pessoa escrita por João Gaspar Simões, em que este descrevia os últimos dias do poeta neste mundo.

Nessa reportagem descobri então a folha numero 13 do livro de registos do hospital, referente a Novembro de 1935. Lá encontramos assinalada a entrada de «Monsieur Fernando Pessoa» no dia 29, tendo recebido o número de ordem 1351. E a data da morte, 30. Segundo o mesmo registo, a sua estadia no hospital custou quarenta e cinco escudos. O funcionário de serviço não registou a sua morada, como fazia a todos os doentes -- porque se esqueceu? Porque não houve tempo para tal? Ou porque não havia ninguém para lhe dar essa informação? No entanto, o mesmo livro regista que este doente morreu de «cólica hepática»

Descobri também que, segundo rezava a tradição desse hospital, Pessoa tinha morrido no quarto número 30, situado no terceiro andar. Claro que esse quarto já não apresentava o mesmo aspecto que tinha nessa altura. Sofrera obras, tinham-no pintado de outra cor, tinham retirado os móveis antigos, substituindo-os por outros mais modernos e funcionais. Mas, seja como for, «alguma coisa», não sabia bem o quê, ficara ali, permanecia entre aquelas quatro paredes.

E então descobri ainda uma estranha coincidência: nesse mesmo quarto, trinta e cinco anos depois, em 1970, viria a morrer também Almada Negreiros, amigo de Pessoa…

Nunca mais me esqueci disto. E agora sinto algum reconforto reencontrando este recorte amarelado de jornal. Como se o passado nunca passasse realmente, na memória dos lugares, das coisas, das pessoas.

domingo, 28 de novembro de 2010

SABEDORIA ANTIGA, 2


Os olhos de Cabíria
Alexandra Pinto Rebelo

É de 1957 o excelente filme de Fellini, "As Noites de Cabíria" (no original, "Le Notti di Cabiria").
Cabíria vive num dos mundos pelo qual todos nós preferimos passar ao lado. Vive numa casa tosca, num subúrbio inenarrável da cidade de Roma. Prostitui-se, ganhando com isso algum dinheiro que vai pondo de parte. O local onde se mostra, juntamente com outras cúmplices de infortúnio, é um complexo de ruínas do antigo império romano.
Cabíria tem o sonho de encontrar alguém que a ame. Passa, por acaso, num velho teatro que apresenta, nessa noite, um espectáculo de ilusionismo. Cabíria entra e é escolhida por entre o público para ser parte integrante daquilo que se vai passar. Cabíria é hipnotizada, revelando perante uma plateia cheia de desconhecidos, que dela se riem, o seu sonho inocente.
No fim do espectáculo, um homem vem ter com ela. Oferece-lhe um café. O homem, tal como Cabíria, tem um olhar cansado, tão cansado, mas capaz ainda de algum brilho. Começam a encontrar-se com alguma regularidade. Ambos vivem num exílio da sociedade comum, exílio esse escolhido ou não (talvez nem os próprios saibam. E nós, saberemos?). Crescem os sorrisos e o brilho. Ao fim de algum tempo planeiam casar e comprar um pequeno negócio. Cabíria vende a sua casa tosca, levanta todo o dinheiro junto até então. Encontram-se num restaurante agradável fora de Roma, com vista sobre um lago. Cabíria leva um rolo enorme de notas, tornadas em símbolo que se metamorfoseou. Eram elas o resultado da sua vida de excepção, pela negativa, representando agora a base para o início do sonho que se irá cumprir. Mas cumprir-se-á?
O homem sugere-lhe ver o pôr-do-sol à beira do lago (ideia tão antiga esta do Sol se pôr, incorrecta, é certo, mas poética). Leva-a até ao topo de uma arriba. A testa dele sua demasiado. Compreendemos que algo está errado, muito antes de Cabíria. Ela tem os olhos ainda cheios de paixão. Escorrega, quase caindo. Nesse momento pressente o que aconteceu, o que acontece, o que vai acontecer. Os seus olhos mantêm a forma da paixão, mas são atravessados de dor, enchendo-se de lágrimas.
Com este texto apenas queria chegar aqui, onde cheguei: a este olhar de Cabíria. É um olhar humano, perfeitamento coadunado ao nosso plano humano. Há uma mulher tornada feliz que, no momento em que pressente a desilusão, junta dois sentimentos díspares no mesmo olhar. No entanto, este olhar também pode ser elevado ao plano civilizacional. Todos nós, os do Sul da Europa, ou de uma forma mais extensa, os do Mediterrâneo, compreendemos bem isto. O olhar de Cabíria são os nossos sonhos interrompidos. O olhar de Cabíria são as ruínas pelas quais passamos diariamente, representando a morte daquilo que foi projectado. Não me refiro só aos sonhos de um Cristianismo puro, aos de um Islão doce, aos dos Descobrimentos ou àquele do V Império do mundo. Refiro-me também aos sonhos mais práticos e mais recentes de uma sociedade justa, com emprego, baseada no mérito e no humanismo.
Este é o último sonho da Europa que está, agora, pleno das lágrimas de Cabíria. Qual será o final? Não falei dele propositadamente. O do filme é fácil de ver. O da Europa do Sul, logo se verá.

EXTRAVAGÂNCIAS, 110


Portugal sonhado
Cynthia Guimarães Taveira

Hoje acordei com um sonho estranho e com uma confusão paradoxal. Sonhei com a essência de Portugal. Era uma arriba que se elevava do mar praticamente na vertical. Uma arriba comprida para cima. Incrustada na arriba, em pedra branca, ligeiramente translúcida com laivos subtis de âmbar, estava esculpida uma cara de criança aí com uns três anos de idade. Essa cara era a proa de um barco e esse barco era Portugal. Não era uma jangada de pedra, era um enorme barco. A expressão da criança que havia sido esculpida era tão forte como o mar (nela havia determinação, inocência e uma certa violência contida). A criança, que era a alma de Portugal, tinha exactamente as mesmas propriedades que o mar. Do sonho ficou-me a lição: Portugal era, no seu âmago, todo virado para fora, Portugal era de natureza marítima, Portugal não era uma jangada de sobreviventes, era um barco imponente, carecendo de movimento.
O paradoxo é este: como é que estando a imagem de Portugal tão afectada pela miséria, pelo desnorte, pela corrupção, pelos sucessivos maus tratos de que é alvo se vai ter um sonho destes? Como é que o sonho tem a capacidade de retirar o excesso e de se ficar apenas com a essência? Com que mundos paralelos lidamos? Só somos saudáveis nos sonhos e esses sonhos são reais. Inesquecíveis pela concentração de mensagens, verdadeiros trampolins no espaço e no tempo, imprescindíveis se amamos a vida, irmãos gémeos da nossa alma, encobertos pelo sono. Mas estão lá.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

AS DANÇAS DE DALILA, 3



Entardecer

No Jardim em Berlim,
subiu minha alma ao céu.
As flores suas cabeças baixaram
os pássaros se calaram
as fontes ais murmuraram
ao longe um pastor passou
sua flauta tangendo.
Com a noite caindo
e o sol adormecendo
a alma acordou ao mundo do alto.

5-12-1992

Dalila Pereira da Costa

terça-feira, 23 de novembro de 2010

É NOTÍCIA...




ADIADA CONFERÊNCIA DE PEDRO MARTINS NA SOCIEDADE DA LÍNGUA PORTUGUESA
Contrariamente ao que estava previsto, a conferência de Pedro Martins subordinada ao tema Pátria, História e Epopeia – no cinquentenário da morte de Jaime Cortesão, e que integrava a programação da Sociedade da Língua Portuguesa para o mês em curso, já não se realiza na próxima quarta-feira, dia 24 de Novembro, dada a coincidência desta data com a greve geral. A conferência realizar-se no próximo dia 20 de Janeiro, pelas 18:30.

NO PRÓXIMO SÁBADO, ÀS 15:00, NA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE SESIMBRA
Conversa Fiada
O Pessoa na 1.ª Pessoa
com Carlos Otero

Numa conversa informal, Fernando Pessoa ousa falar de si próprio numa histeria em que “…tudo acaba em silêncio e poesia…”. Conversa Fiada é pois uma maneira de dizer algo de novo ou diferente sem receio da contradição. Esta conversa, da autoria de Carlos Otero (encenador, declamador, actor, realizador e autor de peças de teatro), pretende assinalar os 75 anos da morte (30/11/1935) deste grande vulto da cultura portuguesa.

sábado, 20 de novembro de 2010

SABEDORIA ANTIGA, 1



Alexandra Pinto Rebelo

Num destes dia, andando lentamente ao longo de um passeio, ouvi uma conversa que me surpreendeu. Um indivíduo falava ao telefone com alguém. Esse outro deu-lhe a notícia da morte de um amigo, ou conhecido. Mas o indivíduo estava incrédulo. Uma incredulidade retórica, note-se. No meio do seu não acreditar, saiu-lhe o argumento tão óbvio: "Morreu, como?! Ainda ontem ele esteve na festa connosco!!!"
Como é comummente aceite, depois da célebre tirada da diva das revistas muito leves, a morte é o contrário da vida. Constitui aquele ponto caótico que as economias mais fortes do mundo ainda não conseguem dominar. Aquele contratempo que a ciência tenta resolver. Cada vez menos sabemos lidar com a morte em termos culturais. Parece ser uma coisa que não faz sentido em sociedades que vivem com algum conforto material e numa rejeição máxima dos valores espirituais. Num dia estamos em festas, noutro dia mortos. Numa sociedade assim, a morte devia fazer-se anunciar. Devia mandar-nos as suas intenções em carta registada para podermos resolver a nossa situação enquanto contribuintes, enquanto cidadãos. Esta poderá ser uma ideia para aquelas incríveis equipas que realizam estatísticas bombásticas. Quanto perde o país em impostos em relação àqueles que partem para uma morte que não se fez anunciar?

Fica bem, agora, fazer o contraponto com a civilização egípcia, elogiando a sua postura perante a morte. Se me é permitido o exagero, parece que quando nascia uma criança, o túmulo era encomendado antes do berço. Aquela gente adorava morrer. Mas, o mais curioso, é que, depois de já ter entrado em vários túmulos egípcios não encontrei a sensação de morte em nenhum dos seus cantos. Parece que os egípcios descobriram que, não a podendo vencer, o melhor é aliarmo-nos a ela, convertê-la de alguma forma em supra vida.

Esse prazer da morte, no Egipto, era qualquer coisa, também, de individual. O defunto era colocado no seu túmulo e por aí ficava em sossego. Atitude bem contrária tinham os barrocos. São bastante comuns as inscrições tumulares deste tempo em que, os próprios defuntos, nos dizem mais ou menos isto: "Andas aí todo contente tal como eu andei! Bem podes deixar de sorrir que, mais dia menos dia, vais encontrar-te num túmulo frio como o meu". Os mortos barrocos não estão pois, sossegados. Carregam consigo uma espécie de inveja pelo facto de nós estarmos vivos e eles não. Interpelam-nos sem pudor numa comunicação imediata entre mundos: "Ó tu, que estás vivo! Olha! Vem cá! Vê o que te espera!"

Para um egípcio, seria talvez considerada uma boa passagem para a morte estar um dia antes numa festa. Uma espécie de despedida de solteiro. Para um barroco isso seria entendido como um "Eu bem te avisei. Isso já aconteceu a um primo meu que está naquela sepultura a dois passos aqui da minha."
Talvez a melhor resposta para isto seja a da poesia. Em Roma, num túmulo sem nome (mas que sabemos pertencer ao romântico Keats), pode ler-se a seguinte frase: "Aqui jaz alguém cujo nome foi escrito na água."

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 109


Dias de Luz
Cynthia Guimarães Taveira

Há poucos dias acabei de ler um romance de Carlos Ruiz Zafón intitulado “Marina”. Nele, a Barcelona que eu conheci é uma outra Barcelona, um verdadeiro cenário de um filme “noir”, um ambiente gótico, às vezes macabro, uma permanente chuva e escuridão, uma procura da luz no meio das vísceras em ferida da cidade.
É curiosa a capacidade transmutadora dos autores quando fazem leituras sobre a cidade. Para mim, Barcelona, quando lá estive, pareceu-me uma cidade com luz e com muita cor; para o autor, é o oposto.
Recentemente, vi a apresentação do filme português “O filme do desassossego” e, nessa apresentação, Lisboa aparece quase sinistra, com os prédios amontoando-se numa perspectiva impossível sob um céu de chumbo. Para mim, Lisboa é sobretudo luminosa, um pouco triste em certos recantos mas nada que se pareça com essa imagem tenebrosa do filme. A cidade, quem sabe, é um espelho que reflecte o nosso estado de espírito.
Tudo isto para falar do sonho.
Nesse livro, «Marina», os sonhos da personagem principal são recorrentes e mais uma vez me deparei com uma incapacidade pessoal: não consigo acreditar nos sonhos quando estes aparecem a pontuar a ficção, quer de uma obra literária, quer de um filme. Sei que a incapacidade é minha e um pouco paradoxal, pois acreditando na ficção já não acredito na ficção dentro da ficção. E porquê? Quando temos atitudes irracionais talvez seja bom pararmos um pouco para pensar, para descobrir o porquê dessa atitude. Assim, cheguei à conclusão que o espaço do sonho, estranhamente, é uma espaço de verdade, mais até do que o verdadeiro real. O sonho é o que de mais espontâneo nós temos e, por isso, o que de mais incontrolável nós temos. Quando se cria um sonho a partir de elementos do real e se conjugam esses elementos com uma racionalidade e um propósito implícitos perde-se a realidade desse mesmo sonho. Subjuga-se o sonho à nossa vontade quando, na sua essência, ele está para além da nossa vontade e, mesmo quando interpretamos os sonhos de maneira a sossegar o espírito, há sempre alguma coisa que nos escapa, porque a racionalidade é que é irreal e a verdade total está no sonho irracional.
Tentando explicar esta perspectiva a uma amiga, ela relatou-me um estranho sonho que tivera: sonhara que entrava numa cidade da América Latina e os prédios estavam cobertos de esculturas. Casas e pessoas tinham cores tão vivas que quase ofuscavam. Dentro do sonho, a minha amiga saia da cidade e, já longe, notou que se tinha esquecido de um objecto numa das casas. Voltou à cidade para recuperar o objecto e, quando lá chegou, verificou que a cidade e as pessoas eram afinal de papelão. Ela não podia entrar de novo naquele sonho porque, de alguma forma, o “tempo” do sonho tinha acabado. Achei aquele sonho extraordinário. Os sonhos tinham um tempo certo para acontecer, tinham um nascimento precioso, verdadeiramente espontâneo, mas fora dessa espontaneidade deixavam de poder existir como eram. Era o próprio sonho da minha amiga que explicava o meu cepticismo face à ficção dentro da ficção, como os sinais da matemática mas ao contrário: “mais” com “mais” dá “menos”, “menos” com “mais” dá “mais”. A lógica do real e do imaginário eram o contrário da lógica. Surpreendente!
Mas verdadeiramente surpreendente foi um episódio que me aconteceu há uns anos: morava ainda noutra casa que tinha uma grande varanda da qual se podia ver uma grande avenida em declive. Nessa manhã fui à varanda e, qual não foi o meu espanto quando reparei que no parapeito e no chão se passeavam dezenas de aranhas pequeninas. E fios de teias estavam suspensos no ar. Não era um ou dois fios, eram imensos fios. E olhando para avenida notei um brilho diferente nos telhados dos prédios: brilhavam ao sol como certas zonas do mar iluminadas. Depois percebi que eram milhares de teias que, esticadas, cobriam os telhados e, com a brisa e a luz dos raios solares, brilhavam a um ponto tal que parecia um sonho. Telefonei a uma amiga a contar o sucedido. Apenas a mãe dela, que se encontrava na baixa, tinha dado pela concentração excessiva de aranhas. Não ouvi falar do sucedido a mais ninguém. Lembro-me de olhar para baixo da varanda e de ver as pessoas a passar tranquilamente na rua como se nada estivesse a suceder. E o sonho presente mesmo acima das suas cabeças. Pensei que andávamos tão obcecados com o pseudo-real que, quando o sonho nos aparecia nesse pseudo-real, nem nos apercebíamos. O fenómeno ali estava à vista de todos e ninguém o viu. Não foi notícia no jornal. Era um “mais” com um “menos” que dava “mais“. Era mais realidade e, afinal, permanecíamos no sono.
Hoje, estou a ler um livro que é um sonho, chama-se “A Tapeçaria do Sinai” de Edward Whittemore. Nele não há sonhos ficcionados. A ficção fascinante chega por si. É um sonho que sonho enquanto espero que, um dia, o sonho me entre pelos dias dentro, como as aranhas e as suas teias inexplicáveis. Ainda bem que não há explicação para tudo.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

ANTÓNIO TELMO, SEMPRE

António Quadros

António Telmo, filósofo da razão estética*

por António Quadros

Conheci-o há pelo menos quarenta anos na «Universidade» da Filosofia Portuguesa, como ele atraído pelo magistério marginal de Álvaro Ribeiro e José Marinho, discípulos de Leonardo Coimbra, para quem a filosofia não era um modo de vida, mas um modo de ser…
Essa «Universidade» informal teve como sedes, primeiro o Café Palladium, onde ainda apareciam às vezes o Casais Monteiro, o Jorge de Sena, o Eudoro de Sousa, o José Blanc de Portugal, o António Banha de Andrade, o Eduardo Salgueiro ou o Domingos Monteiro, depois a Brasileira do Rossio, onde assentou arraial durante os anos em que nós lançámos com entusiasmo e espírito de desafio o Acto, o 57, a Espiral, anos em que aqueles nossos mestres saudosos publicaram, o primeiro A Arte de Filosofar (em 1955) e A Razão Animada (em 1957), o segundo a Teoria do Ser e da Verdade (em 1961). Mais tarde, outros cafés tomaram o lugar daqueles, o Colonial na Almirante Reis ou o Estrelas Brilhantes em Campo de Ourique…
Nesses cafés, nossos jardins de Akademos, nos juntávamos António Telmo e o seu irmão Orlando Vitorino, Afonso Botelho, Fernando Sylvan, Jorge Preto, Luís Espírito Santo, Luís Furtado, um pouco mais tarde Pinharanda Gomes, António Braz Teixeira, Romeu de Melo, Joaquim Braga, além de outros infelizmente já desaparecidos, como Francisco da Cunha Leão, Amorim de Carvalho, Luís Zuzarte, Francisco Sottomayor, Fernando Morgado, Alexandre Coelho ou Rui Vitorino, irmão de António Telmo e Orlando Vitorino, todos então rapazes que, fascinados, pela primeira vez deparavam com uma filosofia viva, não escolar.
Em cada um de nós se desenhava uma vocação, uma tendência, que sobretudo Álvaro Ribeiro estimulava de um modo subtil, mais inteligente que insistente. Quanto a António Telmo, veio a ser o que de todos nós levou mais longe o conhecimento gnóstico, o conhecimento do que está escondido e é inacessível pelas vias da percepção sensível, da ciência positiva e da erudição livresca.
Dizia Álvaro Ribeiro que a arte de filosofar (arte porque queria acentuar o papel da criação mental, da imaginação, da intuição e da indução) procurava o conhecimento pela tripla via gnósica, pística e sófica. O que António Telmo buscou toda a sua vida foi, não unicamente uma gnose (como o tentam os ocultistas e os esoteristas), mas uma harmonia entre a gnose e a razão ou melhor, a sophia ou a sabedoria abonada pela exigência intelectual da razão teórica.
É um filósofo da razão estética. É um decifrador de escritas perdidas, a da poesia de Dante, de Camões, de Pascoes ou de Pessoa, a da simbologia iniciática dos Jerónimos, a da língua portuguesa e da sua gramática secreta, a do saber antiquíssimo expresso no pensamento de Bruno, de Leonardo, de Álvaro ou de Marinho, a da relação de uma filosofia que não é a filosofia das Universidades oficiais, com uma cabala que também não é a cabala dos esotéricos sem filosofia.
Depois dos anos da juventude, na Universidade dos cafés, António Telmo é um fugitivo dos grandes centros urbanos, procurando o sossego e o silêncio para melhor guardar a sua autonomia. Beja, Brasília (para onde o levou Agostinho da Silva), Estremoz, são lugares do seu itinerário existencial, mas o característico da sua inteligência invulgar, é a capacidade para atravessar ou penetrar para lá das camadas sobrepostas da cultura morta em que «coisamos» os nossos saberes satisfeitos.

António Telmo

Calmo por fora, parco em palavras, autor de livros pequenos e densos, poucos imaginam a rapidez do seu movimento mental: chegamos, já lá esteve; alcançamo-lo, já subiu mais uns degraus; quando publica um livro, é sempre o inesperado; é um heterodoxo, mas em nome de uma fidelidade ao essencial.
Sempre desdenhou de honrarias, de títulos, de «posições na vida». É ignorado pelos universitários, mas o que estes sabem é o por ele há tempos sabido que nem se dá ao trabalho de o referir. Alguns gostariam que ele escrevesse mais, explicasse melhor, desenvolvesse as sugestões e os enigmas que apenas esboça. Mas ele prefere propor-nos charadas. Que as decifremos nós, como ele próprio a decifrou. Esse é o acto genésico de filosofar. Começa por uma hermenêutica, pela arte de Hermes.
Pensará talvez António Telmo (nunca mo disse) que não vale a pena escrever para os desatentos, para os desinteressados e para os filisteus. Que não é pedagogo, quer dizer, que não é o escravo que leva pela mão os meninos até junto do mestre. Mas ele não é um pedagogo porque é verdadeiramente um mestre. Como Leonardo, como Álvaro e Marinho.
António Telmo escreveu, no prefácio do seu último livro, Filosofia e Kabbalah, que a razão é um órgão para o conhecimento mas as suas articulações não coincidem com a realidade. Por isso a razão não pode dispensar a comunicação com o desconhecido, que a poesia, a música e as artes plásticas procuram estabelecer.
Englobante pois da razão e das artes, o pensamento é como a ave Fénix, uma energia, um fogo, uma actividade do espírito que todas as manhãs renasce das próprias cinzas…
Escassas embora, estas duas citações desenham já o perfil do filósofo. Interiorizou como poucos a herança de Álvaro Ribeiro: a de um pensador da arte de filosofar e da razão animada, explorando vias que ele próprio abriu, no trânsito da autognose para a heterognose, do conhecimento do espírito no eu para o conhecimento do espírito no além-eu.
Janeiro de 1991
____________
* Publicado originalmente na edição de 13 de Fevereiro de 1991 de O Setubalense, no suplemento de artes e letras «Arca do Verbo», coordenado por João Carlos Raposo Nunes.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

AS DANÇAS DE DALILA, 2



DALILA PEREIRA DA COSTA
(Homenagem)

Tem os olhos uterinos
Onde brilha o tempo
Acendido na saudade.
Seus dedos femininos
Escrevem com acento
Na noite mais antiga,
Labirinto de Ariane.

Ísis das sombras,
Sorriso da aurora!
Os anjos do mistério,
Vigiando os sete selos,
Segredam-lhe livres
Os motivos da demora.

Eduardo Aroso

9 de Maio de 2008

domingo, 14 de novembro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 108



O Grande Crime
Cynthia Guimarães Taveira

Às vezes é bom regressarmos às origens e debruçarmo-nos um pouco sobre as sociedades ditas primitivas. É bom porque, em principio, os pequenos núcleos de pessoas podem fornecer-nos informações muito úteis sobre o ser humano, de forma (e não “por forma”, como diz teimosamente o nosso primeiro ministro, fórmula que pegou na comunicação social e nos meios políticos; se o primeiro ministro o diz é porque está correcto, como se isso fosse assim, vejam-se as “correcções” esplendorosas que tem feito ao nosso país…), de forma ou de maneira, dizia, a que não nos deixemos cair no vazio e na confusão das massas de gente que se estupidificam num espaço de dias a uma velocidade vertiginosa.

Nas sociedades primitivas existem vários tipos de iniciação. Uma delas diz respeito à passagem da idade infantil para idade adulta. Normalmente os jovens são “apanhados” pela iniciação nos anos da puberdade e, em conjunto com provas físicas, por vezes dolorosas e difíceis, é-lhes dada informação preciosa sobre a sua tribo ou grupo. As razões das provas físicas são várias e, para além dos mitos (histórias verídicas, e não mentiras, como hoje se diz, como se um mito fosse naturalmente uma mentira -- a inversão das palavras parece não ter fim…) que as sustentam, servem também para uma melhor memorização daquilo que é transmitido.

Antes de António Damásio falar de inteligência emocional, já as tribos tinham há muito dado conta dela… assim, ao sofrer um pouco, o neófito não esquece o que lhe é dito, e o que lhe é dito é precioso. É-lhe dado um lugar no mundo, simplesmente. Exactamente o que nos falta hoje, andando meio mundo perdido no mundo. É-lhe dada a sua história, a sua proveniência, a razão dos seus gestos, dos mais sagrados aos mais quotidianos, enfim, é dada a esse ser a noção da sua situação no espaço e no tempo, bem como o propósito da sua existência. O neófito é assim agarrado exactamente na idade dos problemas existenciais e, antes que ele os faça crescer a ponto tal que se sinta perdido, os mais velhos dão-lhe as respostas antes que haja uma dúvida demasiado niilista. Assim, a iniciação, que requer a morte, é afinal um sinal fortíssimo de amor à vida.

Já tenho passado de carro pela 24 de Julho em Lisboa e caminhado pelas vielas do Bairro Alto, iluminada parcamente por uma lua triste. A quantidade de álcool e drogas ingeridas todas as noites por jovens confrontados com a sua primeira borbulha assusta-me. O que vejo ali são corações aflitos em busca de respostas. E entristece-me saber que este país tem as respostas, não tem é quem as transmita, não tem é condições para que essas respostas ecoem nos corações aflitos.

Na minha história pessoal tive sorte. Sorte com uma professora que nem era minha. No 8º ano, por via da amizade com colegas do 10º ano, dava por mim a ir a visitas guiadas da escola, dos alunos mais velhos do que eu. Conheci Fernando Pessoa através de uma professora que não era minha. A paixão com que falava e a importância que dava ao discurso pessoano agarrou-me por completo. O que o poeta dizia era importante. Foi assim que o poeta me foi apresentado. Muito cedo comecei a perceber o meu lugar no mundo por via de um poeta, e, procurando quem o estudasse, descobri Dalila Pereira da Costa. Antes das dúvidas em demasia já me estavam a ser dadas respostas: os mitos portugueses, as lendas, a poesia, a literatura, mais tarde a filosofia portuguesa, tudo me parecia falar ao coração. Facilmente foi entendido o papel de Portugal no mundo, e mais do que isso, o valor da diáspora, individuo a individuo, trazendo no estandarte a pomba do Divino Espírito Santo. E nem tive de passar por qualquer igreja para entender a mensagem. A mensagem portuguesa estava para lá de qualquer igreja ou religião. Era verdadeiramente universal e abstracta e fazia sentido porque no seu cerne estava o amor pela vida e o amor pelo próximo. E saber que hoje, neste momento, jovens bebem perdidos, jovens se drogam perdidos, passando-lhes tudo isto ao lado, não sabendo a riqueza que o país contém, riqueza de que poderiam usufruir e fazer frutificar.

Só posso apelidar de crime tal ocorrência. Um crime executado pelo Estado. Porque já não há ninguém que cometa um crime lesa Estado, não é preciso: o Estado lesa-se a si próprio e lesa aqueles que deveria proteger. Não só em termos económicos, mas também, e mais grave, porque é a base de tudo, em termos espirituais, não falo em religião, falo em espírito, em espírito que nos anima ou deveria animar. A verdadeira correcção não está na banda larga acessível aos infoexcluídos, parafraseando o estranho primeiro ministro, começava antes por valorizar a poesia, coloca-la num pedestal, e juntava-lhe a literatura, a história, os mitos, as intuições, as aspirações mais altas e, a pouco a pouco, as fracas almas se iriam curando, por via da palavra, por via da arte. De produtivos (que não somos, nem seremos enquanto formos prisioneiros da ignorância), passaríamos a artistas da alma (a produção é uma consequência da arte e não vice-versa), porque verdadeiramente transmutadores do mundo: “Não a nós, Senhor, não a nós mas ao Teu Nome dá glória”. O propósito templário continua actual e necessário.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

AS DANÇAS DE DALILA, 1



Na poesia trovadoresca galaico-portuguesa e ainda na do Renascimento, semelhante união com os elementos da Natureza se confirmará; tomando então forma dialogal de vera participação mística:

“Fala Crisfal: companheiros do meu mal
águas que do alto correis,
onde caís desigual,
parece que me dizeis:
porque não choras, Crisfal?”

Participação perfeita de todos os seres num único fluxo vivo, em formas partilháveis, indiscerníveis, como algo de labiríntico e turbilionário: tal como essa antiga arte céltica da pré-história europeia; e nela, da portuguesa, impressa na arte sumptuária, como nos bordados das túnicas dos guerreiros galaicos, nas jóias, armas, na Pedra Bela, decoração das pedras da construção castreja, como as portas da citânia de Briteiros… Tal ainda a da belíssima arte irlandesa da alta Idade Média; ou também da sua poesia, onde as coordenadas espaciais e temporais do nosso mundo visível são anuladas, ou sofrendo uma libertação completa, graças à força da imaginação criadora própria deste povo.

“É no alto dum bosque que flutua
teu barco através dos cimos
há um bosque cheio de belos frutos
sob a proa do teu barco”


Assim canta a epopeia irlandesa, a Navegação de Brân. Ou D. Beltrão do nosso Romanceiro:

“Esse cavaleiro, amigo
Morto está nesse pragal,
Com as pernas dentro d’água
O corpo no areal,
Sete feridas no peito
A qual será mais mortal:
Por uma lhe entra o sol,
Por outra o luar,
Pela mais pequena d’elas
Um gaivão a voar”

Nesta força da imaginação criadora, o real sensível sofre assim essa libertação que é transmutação, ou melhor, rebenta os seus limites a nós aparentes, abrindo-se para o real absoluto. Dando-se ao mesmo tempo uma perfeita reintegração do homem na natureza e no cosmos: este sempre visto como grande ser vivente que a todos e a tudo em si envolve e contém. Cosmicização do homem, se poderá chamar a este processo de pensamento e vivência dos celtas: e de seus herdeiros, os portugueses; e que nestes teria a sua expressão máxima na obra da Descoberta.

Dalila L. Pereira da Costa

retirado de Corografia Sagrada, Lello & Irmão - Editores, 1993, pág. 198




quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 46

António Carlos Carvalho

Hoje é dia de São Martinho, dia de «castanhas e vinho». Mas é só por cá -- e nem sequer sabemos, geralmente, de que São Martinho é que estamos a falar, se do de Tours, se do de Dume (na verdade é do de Tours, e o segundo tomou esse nome monástico por causa daquele).

Noutros países da Europa, hoje é feriado porque se comemora o Armistício da Grande Guerra, aquela que se julgava ser «a última das guerras» e que afinal foi apenas a Primeira Guerra Mundial: como se tivesse sido pouca coisa, vinte anos depois fizeram a Segunda Guerra Mundial, para completar, e generalizar, a destruição, agora das populações das grandes cidades.

Portanto, noutros países, hoje é dia para lembrar o primeiro acto do que alguns chamaram «Guerra Civil Europeia», 1914-1918 e 1939-1945. Visitam-se os gigantescos cemitérios, colocam-se flores nos monumentos aos mortos e nos túmulos dos «soldados desconhecidos», fazem-se discursos de circunstância e, no caso de ainda os haver, homenageiam-se os veteranos sobreviventes.

Por cá, é mais «castanhas e vinho», porque há muito se decidiu comemorar, não o fim do conflito, a 11 de Novembro de 1918, como seria lógico, mas o dia da trágica batalha de La Lys, a 9 de Abril desse mesmo ano. E eu cresci a ouvir as fúrias do meu Avô paterno, que também andou lá pela guerra, e que ficava furioso com essa opção do 9 de Abril: «Onde é que já se viu comemorar uma derrota…!!!» (o destino pregou-lhe uma partida cruel: o meu Avô morreu precisamente num dia 9 de Abril…)


Monumento aos Mortos da Grande Guerra, Av. da Liberdade, Lisboa

Na verdade o 9 de Abril de 1918 foi uma das páginas mais negras (e sangrentas) da nossa História militar -- como, aliás, o foi toda a nossa intervenção na Flandres, desejada pelos políticos e pelos republicanos idealistas, mas não pelo povinho mobilizado à força e enviado para terras estrangeiras e desconhecidas, para o meio da lama e do gelo das trincheiras -- André Brun chamou-lhe «a Malta das Trincheiras» --, submetido às «tempestades de aço» de que falou Ernst Jünger, o veterano das duas guerras.

Há anos, fui parar à Alfândega da Fé, onde me competia dar um curso de formação na biblioteca local. E aí descobri, numa história da terra, que em Alfândega da Fé, lugar ainda mais remoto nessa altura do que é hoje, foram mobilizados dois mancebos para combater na Flandres. Ficaram lá os dois, mortos pela metralha alemã…

A esses e a muitos outros (foram milhares, entre mortos e feridos, as nossas baixas na Grande Guerra) foram depois erguidos esses numerosos monumentos que se encontram espalhados pelas cidades e vilas do País, de onde saiu essa massa de «carne para canhão». Os monumentos continuam lá -- nós é que já não os vemos, muitos de nós passam por eles e nem sequer sabem o que representam…

E também se construiu o túmulo do Soldado Desconhecido, na Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha -- um lugar onde me comovo sempre, por aquilo que significa de derradeira tragédia: nem sequer sabemos o nome daquele corpo, daquele morto mais morto do que todos os outros mortos com direito a nome no cemitério…

E depois tivemos as sequelas nos outros, nos que foram vítimas do horrível gás lançado para as trincheiras do inimigo, e que o vento se encarregava de disseminar. Um tio-avô meu sofreu o resto da vida com os efeitos dessa arma química. E as descrições que li desses ataques deixaram-me aterrado -- confesso também. Entre elas as páginas que Malraux escreveu no seu romance «Lazare», em 1974.

E agora a mão amiga do Pedro Martins fez-me chegar uns excertos das «Memórias da Grande Guerra», de Jaime Cortesão, capitão-médico, também ele gaseado:

«21 de Março de 1918.
(…) logo de princípio começam a chover sobre toda a planície as granadas de gases. Sopra o vento. Não obstante as portas e as janelas estarem fechadas, o quarto [da casa intacta onde se abrigam] para onde eu e o Frazão nos atirámos, está empestado de cheiro nauseabundo. Pomos as máscaras e tentámos dormir com elas postas. Mas aquilo, horas seguidas, somadas às nossas infinitas fadigas, cansa de tal maneira que acaba por destruir a noção do perigo, e deitámo-las fora. Ficamos prostrados em tamanha sonolência que somos insensíveis à ideia da morte.
(…) Durante a noite, os gases envenenaram metade do batalhão. (…) Caem as granadas, e porque muitas são de gases, ordeno a todos que ponham a máscara. Eu e o enfermeiro temos de nos aguentar. É impossível fazer-se com desembaraço o serviço imenso que temos diante, de máscara posta. (…) Sente-se nitidamente que a morte vai chegar. De repente há um fragor cataclísmico. Uma granada cai em cheio (…) E na bruma sufocante, que cheira a alho, os feridos arrastam-se, aos urros, em solavancos, golfando sangue, arremessando-se em gestos loucos, tisnados pelo fogo, e as caras hediondamente mascarradas de negro pelos gases.
-- Às macas! Peguem os feridos!
Bradamos, damos ordens, procuramos salvar o material com que havemos de tratar os feridos, e, a plenos pulmões, sorvemos o ar mortal.»

(Jaime Cortesão, mesmo atacado pelos gases, continua a tratar dos feridos; é louvado pelo comandante do regimento, André Brun, e ganha a Cruz de Guerra; fica cego durante algumas semanas; recupera a vista mas está fraquíssimo; regressa a Portugal em convalescença e é ainda nesse estado que os homens de Sidónio Pais o vão prender e encerrar na Penitenciária de Coimbra… E Cortesão, numa carta publicada em jornal, desabafa: «É esta então a Mãe-Pátria?!»)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

RAZÃO POÉTICA, 8



Teixeira de Pascoaes e a Poesia ...

"Mas, na Poesia aparece a alma de um Povo, no que ela tem de mais profundo e misterioso.
É por intermédio dos poetas que o génio popular se vai fixando em figura viva, cada vez mais perfeita.
O Poeta é o escultor espiritual de uma Pátria, o revelador-criador do seu carácter em mármore eterno de harmonia.
Devemos considerar divina a missão dos poetas, quando não mintam ao seu destino sublime.
Se a ciência é a realidade das coisas fora de nós, a Poesia é a realidade dentro em nós. A Ciência vê; a Poesia visiona, transcendentaliza o objecto contemplado; eleva o real ao ideal; é criadora, e as suas criações ficam a viver, a pertencer à Natureza que, nelas, se excede e acrescenta às suas formas objectivas do domínio Científico, a beleza espiritual.
A Poesia converte a matéria em espírito; e, por isso, ela intervém na criação da alma pátria, definindo e sublimando as suas qualidades, e tornando-as, ao mesmo tempo, universais e duradouras."
Teixeira de Pascoaes in A Arte de ser Português, Assírio & Alvim Edições, 1991, Pág. 67


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

NOVO LIVRO DE PINHARANDA GOMES



Notícia de um novo livro e também de uma nova editora.
O livro é Nuno Álvares Pereira -- o Galaaz de Portugal, de Pinharanda Gomes, aliás o primeiro volume das «Obras de Pinharanda Gomes» editadas pela nova editora Pegada do Yeti, que se estreia precisamente com este livro.

Depois de uma nota «Ao leitor» -- em que o autor refere: «Possam estes pequenos passeios pela espiritualidade de São Nuno contribuir para elevar o nosso ânimo, num tempo difícil, tanto ou mais ainda do que esse em que ele viveu para bem de Portugal, com o qual Fernando Pessoa, chamando-lhe São Portugal, o identificou» -- temos os capítulos intitulados «A Imitação de Galaaz», «A Simbologia da Bandeira do Condestável», «A Guerra Justa», «A Espiritualidade Laical», «A Oração de Nuno Álvares», «Os Milagres», «Nossa Senhora na Vida de São Nuno de Santa Maria», «Guerra Junqueiro e a Imagem de Nuno Álvares» e «A Sétima Idade».

A encerrar o volume, um texto de João Bigotte Chorão: «Pinharanda Gomes ou o Espírito da Letra»

Resta acrescentar que o livro (112 páginas) custa 15 euros e pode ser pedido à editora:
http://editorapegadadoyeti.blogspot.com

SOBRE A REPÚBLICA, 100 ANOS DEPOIS



Joaquim Domingues

(Comunicação de Sábado, dia 30 de Outubro, apresentada na Biblioteca Municipal de Sesimbra no âmbito da série de colóquios "Sobre a República, 100 anos depois") .


Da república pombalina à república aquilina

I
Grato pela oportunidade que me foi oferecida de participar na reflexão sobre o significado actual da proclamação da República há cem anos atrás, desejo com ela homenagear o Dr. António Telmo, cuja presença se mantém viva nesta como noutras iniciativas. Nesse pressuposto anuí ao convite recebido através do Amigo Rodrigo Sobral Cunha, altura em que surgiu, de improviso, o título que veio a ficar registado no programa. O qualificativo aplicado à república era no entanto assaz bizarro, pelo que tentei explicitá-lo melhor agora, mediante as duas perspectivas representadas pelas aves simbólicas que são a águia e a pomba.
Como é sabido, a palavra república, para além de outras acepções particulares, significa, de raiz, o bem comum, aquele núcleo de interesses que move o conjunto de um povo e que ao Estado cumpre promover no âmbito das suas competências. Aparece já nos escritos dos Príncipes de Avis, quando as noções do direito romano se impunham às do germânico, designadamente as do código visigótico, e consta do elucidativo título de Diogo Lopes Rebelo, De Republica Gubernanda per Regem, ou seja, Do Governo da República pelo Rei, um incunábulo saído em Paris nos fins do século XV. Assim se reconhecia ao rei, sem prejuízo das prerrogativas do clero, da nobreza, dos municípios e das corporações, a missão de velar pelo conjunto da grei, representada nas cortes, com o poder de confirmar e destituir o soberano.
Não haveria pois contradição no uso de expressões como monarquia republicana ou república monárquica, subentendendo que o bem comum depende dos princípios simbolizados na coroa, cujas hastes convergem do aro para a esfera, encimada pela cruz, segundo o modelo tradicional. Com efeito, a doutrina prevalecente entre nós, e vitoriosamente confirmada em 1385 e em 1640, era a de que todo o poder é de origem divina, vindo ao rei mediante o povo; a verdadeira razão da reverência que os Portugueses lhe prestavam, pois nele viam a presença ou a representação de um princípio sobrenatural e sobre-humano, como carisma da função real. Só por anomalia, sanável através da reunião dos três estados, se concebia a existência de incompatibilidades mais do que circunstanciais entre os interesses da república e os do monarca; havendo apenas memória de um caso em que, mercê da intervenção de Roma, o rei foi destituído em nome do bem comum.
O aparecimento do movimento republicano na segunda metade do século XIX, maugrado as interferências de fora parte, deve entender-se neste contexto; ele correspondeu à assunção por alguns portugueses duma irremediável ruptura entre a instituição monárquica e a república, ou seja, os interesses da grei, o bem comum ao clero, à nobreza e ao povo, do qual se destacara entretanto a burguesia, cada vez mais poderosa desde que cessara a distinção legal entre cristãos-velhos e cristãos-novos. A gravidade do conflito ficara patente na luta fratricida entre os Portugueses, divididos em dois partidos, encabeçados pelos filhos varões de D. João VI, personificando orientações divergentes e mesmo inconciliáveis acerca da organização política e social do País. A vitória de um dos partidos não sanou as feridas, porque persistiu a diferente ponderação dos valores; de modo que a realeza, diminuída já no seu conceito desde 1822, se limitou a sobreviver, mais por inércia do que por acção ou omissão dos titulares, cuja perda de carisma era paradoxalmente simbolizada na coroa, pousada sobre uma almofada, a par do ceptro, que ninguém empunhava mais.
Perdida a esperança de que o rei salvasse a república da desagregação que a corroía, julgaram alguns que a burguesia seria capaz de formar a oligarquia que imprimisse ao País um rumo idêntico ao que se supunha garantir a felicidade de outros povos. A expectativa frustrou-se, porém; à falta de um princípio unificador, multiplicaram-se os grupos e as facções (federalistas, socialistas, democráticos, anarquistas, tradicionalistas…), sem acordo quanto aos reais interesses de Portugal. Concebido e organizado como partido, ou parcialidade, o republicanismo logrou derrubar a monarquia – não sem promover ou sancionar actos de extrema violência, onde avultou o assassínio de El-Rei D. Carlos e do Príncipe Luís Filipe –, mas foi incapaz de reunir os Portugueses, que viveram em estado de guerra civil larvar e tiveram de render-se enfim às forças armadas, sob cuja ameaça ou tutela viveram quase todo o século XX.
A meu ver, não há, pois, razões bastantes para celebrar um episódio do passado que, em rigor, assinala apenas mais um passo no longo processo da degradação dos valores que identificam o País e o Povo, os quais não perderam a vigência senão no tempo e no modo, permanecendo incólumes na sua essência. Convicção que nada tem de singular, pois animou homens em cuja grandeza nos podemos rever com orgulho e sobretudo com esperança. Tudo depende de crermos, querermos e sabermos realizar o que, apesar de sistematicamente ignorado pelos detentores do poder, está garantido em obras como as de Bruno e Guerra Junqueiro, Leonardo Coimbra e Teixeira de Pascoaes, Álvaro Ribeiro e Fernando Pessoa, Afonso Botelho e António Quadros, Orlando Vitorino e António Telmo.

II
Mas república pombalina, porquê, afinal? Admitindo que a expressão seja pouco feliz, remete no entanto para um aspecto que tenho por determinante. De pouco serviria descrever e interpretar uma realidade como a que é objecto destes colóquios sem tentar compreender onde ela radica e esclarecer as causas do persistente desvio do rumo próprio do nosso Povo e do nosso País.
A tese que sustento é a de ter sido no período pombalino que se geraram as mudanças sob cujo signo ainda hoje vivemos, pelo que o modo como o republicanismo tem sido entendido e praticado para ele remete em última instância. Basta atentar no especial apreço pela figura do marquês de Pombal demonstrado pela generalidade dos intelectuais e políticos identificados com a ordem de valores dominante para considerar pertinente a hipótese. Lembro apenas o relevo dado por Teófilo Braga em 1882 ao seu centenário na preparação do clima mental que conduziu ao fim da monarquia, bem como o lugar central do monumento que celebra o ministro de D. José na capital, colocado em posição dominante sobre a cidade e sobre o dedicado ao monarca, erguido na mesma Rotunda onde se entrincheiraram os revoltosos de 1910.
Trata-se de aspectos simbólicos, é certo, mas por isso mesmo significativos do modo como os republicanos entendiam a realidade sobre a qual se propunham agir, como quem reatava um processo remontando ao período histórico de que Sebastião José de Carvalho e Melo foi, sem dúvida, a figura mais representativa. Como asseverou Teófilo Braga, «tudo quanto houve de vida e de iniciativa na sociedade portuguesa concentrou-se nesse homem eminente, que reduziu, mau grado o seu absoluto regalismo, a realeza a uma situação subalterna, a um fetiche teatral» (Os Centenários como Síntese Afectiva nas Sociedades Modernas, Lisboa, 1884, p. 182). Ora, o que o ministro de D. José impôs, de modo inequívoco, foi a razão de Estado, princípio abstracto de que nem o rei se podia reivindicar, por corresponder a algo de impessoal, cujo paradigma era dado pelas ciências e tinha no traçado geométrico da cidade reconstruída a partir das ruínas do terramoto a impressiva imagem.
Compreende-se, por isso, que nenhuma realização fosse mais encarecida pelo Marquês e pelos muitos clérigos, nobres e burgueses que o admiraram e secundaram, do que as reformas do ensino, em especial da universidade, pólo da revolução espiritual que fez primar a razão natural, como então se dizia, sobre a razão iluminada pela fé. Para isso foi mister condicionar a presença da Igreja nesse domínio, mormente a das ordens regulares, o que explica a hostilização da Companhia de Jesus; mas também dar ao Estado um controlo quase absoluto, mais severo que o da Inquisição, sobre a vida intelectual, que por vezes se estendeu mesmo às questões religiosas. A mudança foi de tal ordem que as reacções subsequentes à morte de D. José, voltadas sobretudo para sanar pendências de ordem pessoal, não alteraram a legislação relativa ao ensino, embora aliviassem a vigilância sobre as publicações.
Ao pôr em causa a ordem tradicional, em nome de uma razão que, além dos créditos científicos e técnicos, se empenhara na crítica das doutrinas e práticas religiosas, bem como da ordem social consuetudinária, o iluminismo pombalino abriu caminho ao ascendente poder da burguesia, por via de regra descomprometida de qualquer tábua de valores particular. Ela irá protagonizar os acontecimentos do nosso século XIX e preparar o fim da monarquia, numa sucessão de passos que se diria inelutável. Por isso o novo regime representou o culminar de um processo cuja génese remonta ao período pombalino, do qual, a meu ver, não saímos ainda, como o confirma o esforço oficial para celebrar um episódio sem grandeza, fasto apenas na perspectiva de uma parcela, a menos autêntica, da sociedade portuguesa.
Com todo o respeito e apreço que cada pessoa nos deve merecer, é fora de dúvida que o republicanismo, tal como se impôs, primeiro por via intelectual e depois a partir das alavancas do poder político, constitui uma flagrante contradição nos termos, visto ser de raiz e na prática a expressão de interesses particulares. Não estão em causa as boas ou más intenções deste ou daquele, tão certo é que um homem como Teófilo Braga, por duas vezes Presidente da República, nunca visou satisfazer interesses pessoais e morreu quase esquecido e abandonado, mas convicto de que o principal factor da mudança social fora e deveria continuar a ser a doutrinação, a partir de princípios superiores e reconhecidos, como entendia serem os do positivismo. Outros porém tinham entretanto compreendido que não era possível manter ou gerar a coesão social a partir de uma doutrina abstracta, alheia e hostil aos valores da nossa cultura, defendendo antes um republicanismo radicado, que é como quem diz, nascido das tendências próprias da sociedade portuguesa, avessa a qualquer forma de tutela.
Julgo que Guerra Junqueiro e Sampaio Bruno foram os que melhor compreenderam essa verdade, apesar do radicalismo das posições iniciais, de que corajosamente se foram demarcando, de modo a advertir os que se mantinham noutra rota, cujo fracasso se adivinhava já nas dissenções que muito antes de 1910 dividiam os republicanos. Justifica-se portanto que tivesse sido inspirado na orientação dada às suas obras que surgiu em 1911 o movimento da Renascença Portuguesa, cujo fito era precisamente o de imprimir carácter de autenticidade nacional a uma política cujo facciosismo, de tão ostensivo, alienava tanto as simpatias populares como as de muitos intelectuais e burgueses. O facto de ainda hoje ele servir de referência, mesmo entre as mais novas gerações, parece-me um dos melhores argumentos em prol do projecto renascentista, menosprezado pelos homens do poder, antes e depois tanto do 28 de Maio como do 25 de Abril.

III
Faço jus aos organizadores destes colóquios interpretando o mote ‘Portugal Renascente’ como apontado menos a celebrar o passado do que a pensar o presente e atentar no futuro, que tal é a responsabilidade maior de cada um de nós. Daí julgar pertinente a reflexão acerca duma característica estrutural do tempo em que vivemos, mantendo-nos amarrados ao pretérito, reféns de valores, metas e modelos esgotados. Por estranho que pareça, os destinos do País estão nas mãos de homens que se revêem em concepções do mundo e do homem que diríamos intervalares, pois tiveram a sua génese há duzentos e cinquenta anos e há um século deram o passo decisivo para eliminar ou neutralizar os obstáculos à sua plena imposição a partir das instituições do Estado.
Se assim é, como resulta da idêntica prioridade atribuída à ciência e à técnica, do privilégio dado às questões económicas e financeiras, do controlo exercido sobre a cultura segundo critérios sociológicos e pragmáticos, bom será que reflictamos sobre o valor de tal herança. Aliás, não há que enganar quando vemos como dia a dia os Portugueses são advertidos, depreciados e humilhados por não estarem à altura das exigências de quem sabe o que é bom, belo e verdadeiro... Quando constatamos que até o essencial factor da nossa identidade colectiva, a língua portuguesa, mais do que maltratada, se vê posta ao serviço de interesses estranhos, como se alguém, ainda que sejam os órgãos do Estado, pudesse dispor do nosso património cultural ao seu talante.
Ao lembrar as datas de 1385 e de 1640 tive em mente que elas representam a força de um povo em defesa da sua autonomia e dignidade, animado daquele espírito que, sem prejuízo da singularidade de cada pessoa, configura a realidade colectiva. Gostaria por isso de concluir apelando a uma república aquilina, na lídima acepção da que tenha por símbolo a águia, a ave real que figura no escudo de Avis e os homens da Renascença Portuguesa, como alguns jovens de hoje, escolheram para simbolizar a altura, a liberdade e a lucidez que há-de guiar quem se propunha reconduzir uma sociedade alienada ao perfeito domínio de si mesma. Sem esquecer que a águia está associada a São João, o profeta da Jerusalém futura, que é como quem diz, da consumação do Reino de Deus na terra. Essa, sim, se há-de considerar a perfeita república, conforme à verdadeira monarquia; um mito, se assim quisermos dizer, mas na acepção de modelo supremo, que é o único molde adequado até ao ínfimo projecto humano.

sábado, 6 de novembro de 2010

ENIGMAS, 2


Imagem de Escher


O ENIGMA BOLONHÊS

(epitáfio supostamente encontrado em Bolonha)

Aelia Laelia Crispis não é homem nem mulher, nem andrógina, nem menina, nem jovem, nem mulher velha, nem casta, nem meretriz, nem pudica, mas tudo isso.
Não foi arrebatada nem pela fome nem pela espada, nem por veneno, mas por tudo isso. Não jaz nem no céu nem nas águas, nem na terra, mas em toda a parte.
Lucius Agathio Piscius não é nem marido, nem amante, nem parente, não está triste, nem se alegra, (erigiu) isto (que) não é monumento, nem pirâmide, nem sepultura, mas tudo isso.
Ele sabe e não sabe a quem edificou (e o quê).
(Isto é um sepulcro que dentro não tem o cadáver.
Isto é um cadáver que não tem um sepulcro por fora.
Mas cadáver e sepulcro são a mesma coisa entre si).

In “Mysterium Coniunctionis”, C. G. Jung. Ed. Vozes, 1985 pág. 49

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 107


Narciso segundo Salvador Dali
Acasos... por
Cynthia Guimarães Taveira


Primeiro, Adriana Calcanhoto:

Avião sem asa, fogueira sem brasa
Sou eu assim sem você
Futebol sem bola,
Piu-Piu sem Frajola
Sou eu assim sem você
(…)
Amor sem beijinho
Bochecha sem Claudinho
Sou eu assim sem você
Circo sem palhaço,
Namoro sem amasso
Sou eu assim sem você
(…)
Neném sem chupeta
Romeu sem Julieta
Sou eu assim sem você
Carro sem estrada
Queijo sem goiabada
Sou eu assim sem você
(…)

E agora…

Versão revista, aumentada e melhorada de Frei Lucas, numa das cartas incluídas no "Anatomico Jocoso" de 1755, tendo por título "Carta de hum Amigo para outro, sobre jocosa, salgada; porque também he picante":


(…) Vossa mercê no Convento, e eu fóra delle! Quem tal dissera! (…) saberá que de saudades estou tal, e quejando: porque sem vós, estou cego sem moço, moço sem amo, galgo sem trambolho, barca sem remo, dama sem espelho, panella sem alho, endecha sem estribilho, pastor sem corno, toureiro sem cothurno, saloya sem carapuça, rapaz sem carapeta, negro sem carapinha, dia sem Sol, fragata sem Sul, bacalhau sem sal, soldado sem bála, horta sem bóla, Christão sem bulla, Fidalgo sem micho, barbeiro sem macho, dezerto sem mocho, Castelhano sem mucho; porque vós, meu Manuel, sois o meu micho, macho, mocho, mucho, bála, bóla, bulla, sal, Sol, Sul, carapeta, carapinha, carapuça, cothurno, corno, estribilho, espelho, alho, trambolho, remo, ramo, moço, amo:(…)

In "O Ladrão Cristalino (aspectos do imaginário Barroco)", Ana Hatherly, Edições Cosmos - Literatura, 1997, pág. 100


terça-feira, 2 de novembro de 2010

NA PRÓXIMA QUARTA, DIA 3, ÀS 18:00, NA SOCIEDADE DA LÍNGUA PORTUGUESA

Conferência
O manuelino e a arquitectura vernacular
por Luís Paixão
Ciclo Cultura Portuguesa

Outras conferências do ciclo Cultura Portuguesa:

10 de Novembro, às 18:30
Sociedade da Língua Portuguesa
A Inquisição vista por Alexandre Herculano
por António Carlos Carvalho

24 de Novembro, às 18:30
Sociedade da Língua Portuguesa
Pátria, história e epopeia – no cinquentenário da morte de Jaime Cortesão
por Pedro Martins

A Sociedade da Língua Portuguesa fica na Rua Mouzinho da Silveira, 23, em Lisboa (junto ao Marquês de Pombal)

ANTÓNIO TELMO, SEMPRE



Quando era criança, meteu-se-me na cabeça que era capaz de surpreender o instante em que adormecia. Quando me deitava, ficava à espera, atento à sua chegada. Claro que não tinha qualquer êxito, mas isso já era a obscura certeza (há certezas obscuras e são as mais fecundas) de que a alma pode, em certas condições, assistir ao que se passa com o corpo. Do mesmo modo podemos conceber um estado superior do espírito que torne, para o dia e para a noite, apreensível o que é inapreensível para os sentidos.
Não é no átomo que está o poder, mas na cisão dos seus componentes abrindo uma brecha onde explode a energia contida. A electricidade está presente em toda a matéria, à espera de uma brecha por onde se manifeste. A nuvem abre-se num ponto infinitesimal por onde o raio eclode. Isso dá-se por relação com outra nuvem de sinal contrário ou por relação com a terra. Entre o macho e a fêmea, na relação nupcial, no seu movimento culminante, as coisas passam-se do mesmo modo. Do vácuo só há noção. O que se abre é imediatamente preenchido por uma força, (…).

António Telmo, Viagem a Granada, Fundação Lusíada Edições, 2005, pág.25