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domingo, 20 de dezembro de 2009

PENSANDO À BOLINA, 25

Pedro Sinde



Manifesto Contra a Televisão [3.ª parte]
Era preciso adormecer gradualmente a imaginação aos homens, tão gradualmente que eles nem reparassem. Tendo em conta que imaginar era criar imagens, ocorreu-lhe que uma boa forma, se isso fosse possível, seria dar-lhes as imagens prontas, em vez de os deixar imaginar ou criar as imagens. Já sabia quais eram os fins, mas ainda não via os meios. Foi dormir com isto em mente. Foi num sonho que obteve a sua resposta. Quando acordou já sabia que era preciso criar uma máquina de fazer imagens, de tal modo poderosa que prendesse a si hipnoticamente os homens. Não disse nada a ninguém, pois sabia que seria alvo de chacota. O seu trabalho agora era apenas lançar esta ideia de uma máquina que construísse imagens em movimento naquele domínio em que os homens captam as ideias. Pode o leitor estar a interrogar-se por que razão não procurou o próprio demónio criar uma tal máquina. Ora, é que os demónios não criam, estão proibidos de criar desde que caíram. A sua missão é apenas “descriar”, isto é, destruir, levar o homem, incitar o homem à destruição. Destroem os demónios aquilo que os anjos fazem; numa palavra, a sua missão é destruir a criação. Ora, está então visto que um demónio não pode criar, nem sequer uma máquina que sirva para destruir. Pode, isso sim, instigar os homens, sugerindo-lhes algumas ideias. Há ainda uma outra razão evidente: os demónios podem entrar nos homens e até na natureza, nos animais ou nas plantas, mas eles mesmos não são materiais e por essa razão não podem também interferir materialmente.
Adormeceu novamente e enquanto dormia dormiam também dois irmãos simpáticos e bastante criativos; por ironia, esses irmãos tinham o apelido “Luz”. Digo por ironia, porque o novo invento iria manipular a luz para fazer imagens. Foi nesse sono que os dois irmãos receberam a ideia de dar movimento a imagens estáticas; é claro que não davam movimento, porque só o motor imóvel é a fonte do movimento. Tudo se passava por um acto de ilusionismo: manipular as imagens com a velocidade, ludibriando aquele que vê, enganando-o, mentindo-lhe, fazendo-o “ver com os olhos” as imagens paradas como se estivessem em movimento. Todos sabemos que acreditamos no que vemos…: vi com os meus próprios olhos, vi com os olhos que esta terra há-de comer. O grau maior de acreditar no que se vê é o do “olho do intelecto” ou “do coração”, mas isto seria outra história.
Certo é que o demónio viu o que iria a acontecer, viu que tinha encontrado a solução: o invento que iria desanimar ou tirar a “anima” aos humanos estava mesmo ali; um aparelho de destruição massiva. Foi um momento sublime, tanto quanto se pode falar assim de um demónio. A humanidade estava perdida, desta vez era possível com um só aparelho manipular a humanidade inteira; “já não era necessária uma legião, como nos tempos de Cristo, pensou maravilhado – basta um só, basto… eu!”
O leitor dispensa-me, é certo, do resto da história. Estamos bem familiarizados com ela. Sampaio Bruno chama ao “eu humano” o “último Satã”. Isto necessita de uma hermenêutica que o leitor também não deixará de realizar, sem se deixar cair num neo-orientalismo barato ou fácil, porque o Fernando Pessoa também diz neste sentido muito preciso e numa oração maravilhosa: “Senhor, livra-me de mim!”
Antecedentes: 1.ª parte; 2.ª parte

1 comentário:

  1. O decreto de 6 meses sem televisão em todo o planeta operaria a maior revolução - por inércia e implosão - da história da civilização humana. Mas seria o fim imediato da democracia...

    Abraço!

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