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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



sexta-feira, 9 de outubro de 2009

EXTRAVAGÂNCIAS, 33

Álvaro Ribeiro visto por Romana Valente Pinho*
“Tudo depende não de aclimatar, não de continuar, mas de recomeçar uma tradição; tudo depende da eleição de um ponto de partida e da acção de um escol que venha a revelar em actual expressão ontológica o pensamento implícito nos documentos teológicos, políticos e literários que assinalam os decisivos passos da vida do nosso povo, e que venha a formular em sistema ou sistemas a filosofia própria da fisionomia nacional”.
Álvaro Ribeiro, O Problema da Filosofia Portuguesa

“Porque não é de filosofia em Portugal mas de filosofia portuguesa que a nossa cultura verdadeiramente carece”.
Álvaro Ribeiro, O Problema da Filosofia Portuguesa

Apontamento Biográfico
Álvaro Ribeiro nasceu, na cidade do Porto, no dia 1 de Março de 1905.
Estudou na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde foi aluno de Leonardo Coimbra (1883-1936), e licenciou-se, na mesma instituição, em 1931.
Iniciou-se, desde muito cedo, na arte de filosofar. Julgava até que se aprimorara em tal arte no convívio da Renascença Portuguesa e nas tertúlias filosófico-literárias que pululavam pelos cafés portuenses. Expressões tão vivas e fiéis do verdadeiro indagar filosófico, desprendidas das relações formais e académicas que, na concepção alvarina, não coincidem com o vero interesse pela Filosofia.
É considerado o fundador do mui polémico grupo da Filosofia Portuguesa. Do qual fazem parte, entre outros, António Quadros (1923-1993), Afonso Botelho (1919-1996), Orlando Vitorino (1922-2003), Pinharanda Gomes (1939), António Telmo (1927) e António Braz Teixeira (1936).
Deixou uma vasta obra dedicada, essencialmente, à Filosofia e à Cultura e Literatura Portuguesa.
Morreu, em Lisboa, no dia 9 de Outubro de 1981.

Apontamento Crítico
Ao lado de José Marinho (1904-1975), Álvaro Ribeiro é um dos maiores discípulos de Leonardo Coimbra. Poder-se-á dizer que deste recebeu o estímulo para a reflexão filosófica e para o culto da filosofia em lato senso, sem ser necessária a frequência de escolas ou universidades. Assim como o seu colega da Faculdade de Letras do Porto - José Marinho – e como Teixeira de Pascoaes (1877-1952), Álvaro Ribeiro é um defensor acérrimo da singularidade da cultura e do pensamento português. Considera-o uma questão situada, concreta e objectiva. Crê até que o carácter filosófico do nosso pensamento se revela, sobretudo, na literatura e na poesia.

Avesso ao espírito moderno, ao academismo, ao positivismo e ao racionalismo de um ponto de vista genérico, o pensador portuense defende, ao invés, uma linha de orientação filosófica que se sustenta no romantismo, na perpetuação da tradição portuguesa, na reflexão detida da fisionomia filosófico-antropológica do povo lusitano que, na sua óptica, é tão peculiar e tão enigmática. Tal fisionomia dever-se-á perscrutar através da palavra, da linguagem – instrumento sagrado. No fundo, o primeiro passo do filósofo é tornar-se filólogo, ou seja, atentar para a cifra misteriosa que está subjacente à nossa fala, à nossa imaginação e ao nosso pensamento. A filosofia será, então, no seu ponto de vista, a arte da palavra. A qual, em tempos remotos, era apenas acessível aos sacerdotes. Também por isso é que, na obra de Álvaro Ribeiro, a filosofia tem uma estreita ligação com a teologia, com a religião e com a simbólica. Ao filósofo cabe, assim, pela análise da palavra ou da linguagem (que é mais do que uma simples lógica linguística e formal), revelar o que está velado; desocultar o que está oculto até aceder à ideia de Deus, ao conceito de Absoluto. Afinal de contas, Álvaro era assumidamente teísta e esotérico, considerava até o ateísmo como uma espécie de analfabetismo.

A antropologia constitui-se, assim, como a primeira das disciplinas filosóficas, na medida em que é a ciência que se debruça sobre o pensamento humano, sobre a razão animada. Neste aspecto, e apesar de propor uma nova interpretação de Aristóteles, distancia-se da máxima aristotélica “o homem é um animal racional” que, devido a Charles Darwin (1809-1882), foi exponencialmente tratada e reformulada. Álvaro Ribeiro, por sua vez, acentua o carácter espiritual e animado da razão humana. No fundo, o pensamento alvarino centra-se na apologia da filosofia como maiêutica, como propedêutica pedagógica e como orientação ético-moral. Não nos esqueçamos que, tanto em Estudos Gerais como n’ A Razão Animada – Sumário de Antropologia, concebe um programa para os estudantes de filosofia, no qual esquematiza e apresenta as disciplinas fundamentais do método filosófico.

Numa das suas obras mais emblemáticas – O Problema da Filosofia Portuguesa -, Álvaro Ribeiro pretende questionar os obstáculos que se colocam à reflexão especulativa e filosófica dos portugueses, bem como a análise da situação da filosofia em Portugal. Na sua perspectiva, os pensadores portugueses da contemporaneidade não conseguem descodificar o problema da cisão entre a filosofia moderna e a filosofia clássica. Portugal, ao deixar-se guiar pelas influências estrangeiras, desdenhou a antiguidade e abraçou as luzes. Portugal afastara-se, assim, do pensamento clássico e das raízes do próprio processo filosófico. Para inverter tal situação, Álvaro Ribeiro propõe uma reaproximação a Aristóteles, uma hermenêutica cuidada e militante deste filósofo grego.

Bibliografia Indicativa
O Problema da Filosofia Portuguesa (1943)
Leonardo Coimbra (1945)
Sampaio Bruno (1947)
Os positivistas (1951)
Apologia e Filosofia (1953)
A Arte de Filosofar (1955)
A Razão Animada (1957)
Escola Formal (1959)
Estudos Gerais (1961)
Liceu Aristotélico (1962)
Escritores Doutrinados (1965)
A Literatura de José Régio (1969)
Uma Coisa que Pensa (1975)
Memórias de Letrado (1977-1980, 3 volumes)
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* artigo originalmente publicado aqui.

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