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segunda-feira, 25 de maio de 2009

A IDEIA DE PÁTRIA NO «57», 2

Pedro Martins

O erro nativista
Aqueles que adoptam o conceito de nação como base jurídica das estruturas políticas centralistas – assim se enuncia, como se acabou de ver, a antítese do teorema do 57 – degradam o nacionalismo em nativismo. Deste modo, exaltam a circunstância de se haver nascido num determinado território, de se pertencer a uma certa nação. Claro está que essa exaltação não surge ex nihilo: estriba-se numa realidade sentimental; traduz o orgulho nativo num passado glorioso, reconhecível em certas formas de realização da Pátria.

O erro imputável a semelhantes teorias é o de quererem transpor, ou transportar, essas formas, tal e qual elas se concretizaram no passado histórico da sua manifestação, para o presente. Estamos perante doutrinas formalistas – pois que privilegiam a forma em detrimento do espírito; e passadistas – pois que concebem a pátria como uma “intrusão do passado no presente”, para aqui se empregar a justa expressão utilizada no Manifesto. Por este documento, ficamos ainda a saber que, para o Movimento de Cultura Portuguesa, a Pátria “não é sentimentalismo atávico, não é resistência do hábito, não é cómoda posição de reaccionários, não é «o conceito mais bestial e menos filosófico».”
Exemplo histórico evidente de um movimento cultural nativista vem a ser o chamado integralismo lusitano, que pretendia levar a cabo uma restauração monárquica de tipo miguelista, em óbvio contraponto à Renascença Portuguesa, de militância republicana e liberal.

Mas os mentores do 57, ao visarem as estruturas políticas centralistas próprias do nativismo – cujo corolário vem a ser o burocratismo das instituições, da cultura e do ensino –, pretendem sobretudo atingir a situação política vigente à época – o regime autoritário do Estado Novo, a ditadura salazarista. Cientes do perigo, fazem-no com prudência, de modo dissimulado. Mas o emprego de expressões como resistência do hábito ou cómoda posição de reaccionários não consente dúvidas. Pois não foi Salazar quem procurou levar a nação portuguesa a viver habitualmente, de acordo com a ordem estabelecida, calmamente, sem sobressaltos?

O propósito do ditador resulta congruente com a doutrina nativista, formalista e passadista que tende a reduzir a Pátria à contemplação extática das formas cristalizadas em que outrora se manifestou. A Pátria é o domínio do facto ou do feito histórico (daí brotando a vocação panegírica do regime), do movimento perfeito num tempo imobilizado. Perfeição, bom será lembrá-lo, quer dizer morte. Por isso, a Pátria não é uma razão viva, como pretende o autor do Manifesto; é uma razão morta, que se adora num ataúde, em celebrações diuturnas a que Roma irá emprestar a predicação zelosa dos seus oficiantes. O nativismo é mortificação e, o que é mais, necrofilia.

Antecedentes: 1. Pátria, nação e mátria

(continua)

1 comentário:

  1. Há que repensar a relação politicamente inter-significante de conceitos como: império, estado, pátria, nação e povo. O puro nativismo estático tem formulações jurídicas contemporaneamente diversas. É preferível o iuris solis ao iuris sanguinis, porque mais inclusivo. De qualquer modo, se um goês reivindicasse (e há um famoso caso durante o Estado Novo, que muito incomodou Salazar...), hoje, a nacionalidade portuguesa, penso que seria de a conceder.
    A maior perversidade do nacionalismo é a de querer reduzir a nação à ideia mítica de povo-raça. Entendo Portugal como um lugar de chegada, uma «terra prometida», onde todo o homem se pode tornar um português, desde que o seu amor e fidelidade a esta pátria sejam inequívocos.
    «Em Roma sê Romano», e este é um preceito de cidadania e de defesa de um modelo de sociedade civil; a que deuses se reza, ou a nenhum, o que se veste, ou se come, etc, é irrelevante. O que já não é irrelevante é a defesa de um qualquer outro modelo que ponha em causa a sociedade civil, como «coisa pública», e a queira devassar por fanatismos religiosos, morais (nenhuma é universal), ou quaisquer outros.

    Abraço lusitano!

    Lord of Erewhon

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