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domingo, 8 de abril de 2012

SABEDORIA ANTIGA, 21


















Cristianismo debaixo de terra

Por Alexandra Pinto Rebelo

Os quatro evangelhos canónicos não são férteis no que diz respeito a referências ao mundo ctónico. Parece que este nível, tão actualizado no paganismo, é propositadamente silenciado. O interesse principal é o ir anotando feitos de Cristo, mostrando-o como o grande propósito. O que estes homens parecem dizer é que estão a assistir a uma (nova?) cosmogonia e a toda a mitologia que daí advém. É uma mitologia não escutada, ao contrário do habitual, mas exibida à sua frente. Estão a assistir a gestos primordiais, tendo isso mais importância do que tudo o resto.
Mateus será aquele que incluirá a marca ctónica mais forte: “ Então, o véu do templo rasgou-se em dois, de alto a baixo. A terra tremeu e as rochas fenderam-se. Abriram-se os túmulos e muitos corpos de santos, que estavam mortos, ressuscitaram; e, saindo dos túmulos depois da ressurreição de Jesus, entraram na cidade santa e apareceram a muitos.” (Mt. 27,51-53)
O que Mateus parece indicar, com estas imagens marcantes e, porventura, assustadoras, é que, no período entre a morte e a ressurreição de Cristo, o nível terrestre e o ctónico ficaram, subitamente, sem delimitação. Mas esta falha temporária de fronteiras é vigiada, no entanto, por um poder superior. São somente os corpos dos santos aqueles que ressuscitam, levando a crer que estes, à semelhança de Cristo, apenas tinham a vida suspensa nos seus túmulos. A sua morte física seria, desta forma, uma mera ilusão. Um percurso necessário, em suspensão de sinais vitais físicos, para que se confirmasse a sua vitória sobre a morte.
Aqui chegados, é impossível não fazer analogias com todo o simbolismo surgido com o aparecimento das sociedades agrícolas. Também as sementes, exemplos maiores de vida suspensa, são lançadas à terra, aí permanecendo até ao seu renascimento. Tal como a Lua, (desaparecida durante três dias antes de ressurgida – “A Lua é o primeiro morto”, segundo E. Seler) as sementes, durante todo o seu processo de oclusão debaixo de terra em morte aparente, reaparecerem devidamente transmutadas. Estes processos, observados e apreendidos, encaminham o ser humano para a evidência de que não existe morte. Torna-se mais legíveis, então, o vasto número de parábolas cristãs relacionadas com o mundo vegetal, pontes indicadoras da possibilidade efectiva de Ressurreição.
O gosto do cristianismo dos primeiros séculos por espaços debaixo do chão, será um encenar cíclico desta suspensão da vida. São construídas câmaras, mais ou menos extensas, sacralizadas sobretudo pelo deslumbramento, e mistério, do próprio processo. Aí, não só os “aparentemente mortos” são depositados, como têm lugar as refeições rituais dos vivos. Refeições festejando, ou solicitando a abundância, dependentes do próprio sucesso das fases agrícolas. Dependentes, pois, da esperança na sucessiva ressurreição das sementes.
Por esta altura, já o cristianismo deixara transbordar a sua latente vocação ctónica. A criação destes espaços reais, subterrâneos, possibilitava a cumplicidade simbólica dos vivos, no germinar das sementes, por proximidade. Em câmaras que, tal como os neófitos (pelo menos os Pessoanos), sabiam que não existia morte. Nem a da alma, nem a do corpo.

AFORISMOS, 135


Por Eduardo Aroso

Já se escreveu sobre o Erro de Decartes, outros querem ter demonstrado que a física quântica destronou erros de Aristóteles, autores vários fizeram livros sobre os Erros de Deus (!), sendo este o título de, pelo menos, uma das obras. Sem prejuízo do que a civilização cada dia aprende e esquece, os chamados seres humanos de “ponta” descobrem constantemente erros nos que os precederam, não havendo assim tempo para descobrir em tal actividade intelectual vestígios de erros de descobertas presentes e futuras.