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domingo, 24 de maio de 2009

A IDEIA DE PÁTRIA NO «57», 1

Pedro Martins

Pátria, nação e mátria
Sobre a ideia de Pátria incidiu um dos doze teoremas formulados pelo 57. O tema e o respectivo problema eram de tal modo importantes para o Movimento de Cultura Portuguesa que aquele jornal lhes dedicou ainda um manifesto próprio. Com excepção do manifesto geral da publicação, vindo a lume no seu número inaugural, este será caso único no historial do título.
No Manifesto sobre a Pátria – assim se intitula o escrito mencionado, que passarei a designar por Manifesto – sugere-se algures que esta integra um espírito, uma alma e um corpo. Deste modo, torna-se evidente o estabelecimento de uma analogia com o composto humano. E, em compreensível extensão da metáfora, ali se afirma também que a Pátria é uma “razão viva a mover-se para um fim, e não um aglomerado de interesses egoístas”. Desde já, fique dito que a Pátria, stricto sensu, é espírito, razão ou alma espiritual.
O corpo da Pátria é o seu território: a terra, a matéria, a “mater”, a mátria. Não por acaso, o 57, no citado Manifesto, fala em “grandes parcelas da carne africana da pátria portuguesa”, votadas a um “abandono ignominioso e humilhante” (em 1890, por ocasião do Ultimato britânico). Guerra Junqueiro assistiu ao triste espectáculo, numa experiência que o motivou a compor Pátria, a “segunda grande epopeia dramática” da nossa literatura, no dizer do Manifesto.

O vocábulo mátria é antigo. Tê-lo-á engendrado o Padre António Vieira, no Sermão de Nossa Senhora da Conceição, pregado na Igreja da Senhora do Desterro, da Bahia, em 1639. Ali se consigna que “o mesmo nome de Pátria nos está ensinando que só o Céu o pode ser. E porquê? Porque o nome de Pátria é derivado do pai e não da mãe: a terra em que nascemos é a mãe que nos cria, o Céu para que fomos criados é o lugar do Pai que nos dá o ser; e se a pátria derivara da terra, que é a mãe que nos cria, havia de chamar-se Mátria, mas chama-se Pátria, porque deriva do Pai, que nos deu o ser e está no Céu.”
Temos, por fim, a alma da Pátria, que é a nação, isto é, o conjunto dos que nascem num determinado território, tão certo é a alma mediar o corpo e o espírito. E não são os homens quem está entre a Terra e o Céu?
A elucidação da metáfora não é exercício gratuito. Ela ajuda-nos a compreender o teorema que o 57 consagrou à Pátria. Neste momento, é conveniente tê-lo presente:
TESE
Noção de colectividade: base eleitoral dos chamados internacionalistas, democráticos e parlamentaristas.
Corolário: Abandono da pátria ao livre arbítrio que agita, mas não actua.
ANTÍTESE
Conceito de nação: base jurídica das estruturas políticas centralistas.
Corolário: Burocratismo das instituições, da cultura e do ensino.
SÍNTESE
Ideia de pátria: princípio espiritual da autonomia portuguesa.
Corolário: Criação das instituições necessárias ao desenvolvimento social da actividade do espírito e da cultura. Reforma radical de todo o ensino.
(continua)

3 comentários:

  1. Belíssimo texto. Sou mais pela «pátria» que pela «mátria», não esquecendo nunca o chão que nos sustenta, mas, politicamente, são de preferir os conceitos mais simples, e, neste domínio, o menos «nebuloso» é o remeter para o lugar de nascimento de uma linhagem; não é preciso mais espírito que o amor à terra: aquela «pequena pátria» de cada um, que vivifica, depois, o reconhecimento da «pátria maior» da cultura, das tradições, da língua e da raíz de um povo.

    Abraço lusitano!

    Lord of Erewhon

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  2. aliás Pedro Martins:

    Saudações extravagantes ao Lord of Erewhon, a quem agradeço a simpatia das suas palavras!

    PM

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  3. Eu é que agradeço, a simpatia de todos vós, para com os meninos e as meninas d'O Bar, que, independentemente dos gostos musicais, etc, são boa gente, com um amor genuíno e saudável pela nossa pátria, o nosso povo e todas aquelea, pequenas ou grandes, coisas que são nossas.
    Nos tempos que correm... sinto-os como heróis do meu quotidiano.

    Abraço lusitano!

    Lord of Erewhon

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