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sábado, 20 de novembro de 2010

SABEDORIA ANTIGA, 1



Alexandra Pinto Rebelo

Num destes dia, andando lentamente ao longo de um passeio, ouvi uma conversa que me surpreendeu. Um indivíduo falava ao telefone com alguém. Esse outro deu-lhe a notícia da morte de um amigo, ou conhecido. Mas o indivíduo estava incrédulo. Uma incredulidade retórica, note-se. No meio do seu não acreditar, saiu-lhe o argumento tão óbvio: "Morreu, como?! Ainda ontem ele esteve na festa connosco!!!"
Como é comummente aceite, depois da célebre tirada da diva das revistas muito leves, a morte é o contrário da vida. Constitui aquele ponto caótico que as economias mais fortes do mundo ainda não conseguem dominar. Aquele contratempo que a ciência tenta resolver. Cada vez menos sabemos lidar com a morte em termos culturais. Parece ser uma coisa que não faz sentido em sociedades que vivem com algum conforto material e numa rejeição máxima dos valores espirituais. Num dia estamos em festas, noutro dia mortos. Numa sociedade assim, a morte devia fazer-se anunciar. Devia mandar-nos as suas intenções em carta registada para podermos resolver a nossa situação enquanto contribuintes, enquanto cidadãos. Esta poderá ser uma ideia para aquelas incríveis equipas que realizam estatísticas bombásticas. Quanto perde o país em impostos em relação àqueles que partem para uma morte que não se fez anunciar?

Fica bem, agora, fazer o contraponto com a civilização egípcia, elogiando a sua postura perante a morte. Se me é permitido o exagero, parece que quando nascia uma criança, o túmulo era encomendado antes do berço. Aquela gente adorava morrer. Mas, o mais curioso, é que, depois de já ter entrado em vários túmulos egípcios não encontrei a sensação de morte em nenhum dos seus cantos. Parece que os egípcios descobriram que, não a podendo vencer, o melhor é aliarmo-nos a ela, convertê-la de alguma forma em supra vida.

Esse prazer da morte, no Egipto, era qualquer coisa, também, de individual. O defunto era colocado no seu túmulo e por aí ficava em sossego. Atitude bem contrária tinham os barrocos. São bastante comuns as inscrições tumulares deste tempo em que, os próprios defuntos, nos dizem mais ou menos isto: "Andas aí todo contente tal como eu andei! Bem podes deixar de sorrir que, mais dia menos dia, vais encontrar-te num túmulo frio como o meu". Os mortos barrocos não estão pois, sossegados. Carregam consigo uma espécie de inveja pelo facto de nós estarmos vivos e eles não. Interpelam-nos sem pudor numa comunicação imediata entre mundos: "Ó tu, que estás vivo! Olha! Vem cá! Vê o que te espera!"

Para um egípcio, seria talvez considerada uma boa passagem para a morte estar um dia antes numa festa. Uma espécie de despedida de solteiro. Para um barroco isso seria entendido como um "Eu bem te avisei. Isso já aconteceu a um primo meu que está naquela sepultura a dois passos aqui da minha."
Talvez a melhor resposta para isto seja a da poesia. Em Roma, num túmulo sem nome (mas que sabemos pertencer ao romântico Keats), pode ler-se a seguinte frase: "Aqui jaz alguém cujo nome foi escrito na água."

3 comentários:

  1. A Morte é a simplicidade da Vida.
    Jorge Manuel Brasil Mesquita
    Lisboa, 22/11/2010

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  2. A morte é a flor da vida, o seu momento supremo. Da raiz do nascimento, passando pelos talos e múltiplas folhas dos anos, chega o momento da floração. A natureza do aroma depende do modo como viveu a árvore, dos cuidados que teve.

    As melhores saudações

    Eduardo Aroso

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  3. Agradeço os vossos comentários. Merecem que cada um de nós, que os lê, os saboreie em consciência e emoção.
    Alexandra Pinto Rebelo

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