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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



segunda-feira, 15 de março de 2010

AFORISMOS, 24

Eduardo Aroso

102 – A absurda concretização do acordo ortográfico dos países de Língua Portuguesa parece ser igualmente a absurda rendição do estado de espírito de quem se sente inferiorizado por ter sido agente de colonização (e má descolonização) e também por uma espécie de complexo de culpa de pioneirismo por ter cultivado e expandido o idioma de Camões, que já antes D. Dinis tão bem havia cantado, por saber que teria futuro. Mas quanto a esta patologia institucional de políticos, alguns linguistas e certos negociantes, psicólogos e psicanalistas pouco podem fazer. A tendência para a uniformização navega contrária aos ventos naturais, ao fim e ao cabo em oposição insolúvel à concepção do sentido de independência dos povos que criando a sua autonomia e consequentes especificidades formam e incorporam o léxico próprio bem como todas as evoluções linguísticas ditadas de acordo (este sim um verdadeiro acordo!) com a sua alma colectiva. Os urdidores de acordos – ansiados contratos comerciais – não encaram o facto da evolução da língua ser o que é, como, por exemplo, o crescimento dos pinheiros e castanheiros que, embora já no tempo da genética vegetal, ainda devem crescer ao seu ritmo. [na imagem: Dom Dinis - clique para a ampliar]

103 – A República de 1910 entrou com um misto de rompante e paradoxal subtileza (!). Os revoltosos mataram o penúltimo rei e deixaram ir em paz o último.

104 – A noite e o dia, o invisível e o visível, o passado e o futuro… Em Portugal, existindo Povo (1), há Aristocracia, seja qual for a sua forma de ser. Ainda que possa haver desproporção, uma existência implica a outra. A um, corresponde o inconsciente; a outra, à lucidez. Ambos na mesma verdade presentes. Em épocas de crise, no Povo o passado - provavelmente com nevoeiros à mistura - aflui como voz então menos inconsciente, mas trazendo a maior força, que se projecta no futuro; na Aristocracia do Espírito (expressão cabal, muito utilizada por António Telmo) é a visão do futuro que, também melhor interpretando o passado, ao mesmo tempo nele projecta e incorpora o seu melhor. Os dois podem actuar ciclicamente como a Mão de um Destino Maior: a Hora.
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(1) Grafia com maiúscula, para distinguir do povo apenas votante.

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