(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



terça-feira, 14 de abril de 2009

EXTRAVAGÂNCIAS, 14

Os Cadernos de Filosofia Extravagante*
por Luís Paixão

Não sei se foi de propósito terem escolhido o primeiro dia da Primavera para o lançamento da revista. Se foi essa a razão, escolheram bem; senão, o acaso fez-nos o favor de acertar connosco. Um pouco como as Coincidências referidas no texto da Cynthia; ou como o Rodrigo, quando descobriu e nos transmitiu essa misteriosa e inovadora doutrina do acerto de ritmos que produzem a harmonia, do condiscípulo e amigo de Leonardo Coimbra, Lúcio Pinheiro dos Santos. É pois, com muita alegria, daquela alegria primaveril cheia de promessas e de esperança, que estou hoje aqui para vos apresentar a publicação Cadernos de Filosofia Extravagante.

Independentemente dos colaboradores, dos quais tenho a honra de fazer parte, e do editor, o João Tavares, meu amigo de longa data e de muitas aventuras, não quero deixar de referir um triângulo que tornou possível a feitura desta publicação. O magistério de António Telmo e os dois obreiros cujo primeiro nome é Pedro: o Sinde e o Martins, incansáveis desde o primeiro momento na revisão dos textos, no arranjo gráfico, nos contactos e no acerto com os colaboradores e com a gráfica. Os meus agradecimentos, bem-hajam. Nunca é demais realçar que o fizeram sem qualquer interesse de ordem material, apenas e só por amor à sabedoria.
Entremos agora no miolo d'A noz. Que o mesmo é dizer na substância da revista. Diria na amêndoa e no figo que é o coração e o corpo. Para tanto e para não faltar à verdade socorro-me do texto do António Telmo muito bem escolhido pelo Pedro Martins.

[ler aqui texto de apresentação]

Creio que a extravagância vai mais longe ainda, porque o próprio filosofar nos dias de hoje, e na “terra mais antifilosófica do planeta”, como nos diz Leonardo Coimbra, é também extravagante. É como se fosse a extravagância dentro da extravagância.

Os Cadernos aparecem dentro de uma sequência de várias publicações produzidas pelo - muitas vezes - designado grupo da Filosofia Portuguesa, tuteladas inicialmente pelo magistério de Álvaro Ribeiro e José Marinho e, mais tarde, por Orlando Vitorino e António Telmo. Desde o 57 em 1957, passando pela Espiral, a Acto, a Escola Formal e, mais recentemente, a Leonardo e os Teoremas de Filosofia, que insistem e demonstram que ainda existem pessoas nesta Pátria que pensam em português. Nem sempre concordantes, nem sempre fiéis às teses que foram expressas por Sampaio Bruno e, mais tarde, em 1947, designadas por Álvaro Ribeiro Filosofia Portuguesa, tem havido recentemente uma progressiva exigência de alguns pensadores no sentido de reconduzir este movimento filosófico à sua matriz inicial. Numa aproximação livre e naturalmente subjectiva, vou tentar definir-lhe algumas características:

1º Há uma exigência de crença ou de fé, ou seja, o pensador tem que acreditar em Deus. É como se fosse a letra a do alfabeto da filosofia. Vivemos num mundo completamente ateu e antiteísta.

2º O pensamento é o dado sobrenatural no homem e é a manifestação do espírito em si próprio. Só é possível experienciar esta realidade desde que se pratique a reflexão e a autognose. Num mundo completamente virado para fora é um esforço de heróis.

3º É como se o pensamento fosse uma espécie de oração. Esta noção classifica o pensamento como acto operativo e efectivamente transformador do ser humano.

4º As religiões são, portanto, para serem pensadas.

No nosso caso, o do Ocidente, que é o das três religiões monoteístas e abraâmicas, esta atitude levanta problemas e inquietações em relação às ortodoxias ciosas da estabilidade do dogma.
Por isso, sopra a brisa fresca da heresia e a respectiva condenação em muitos pensadores da Filosofia Portuguesa.

Paradoxalmente, é mais fácil para as igrejas aceitar as doutrinas filosóficas ateias. É como se a filosofia não pudesse conduzir a outro lugar. Só nos resta portanto o pensamento da razão prática: a ciência positiva.

Não percebem os donos da verdade que, para haver um pensamento actual vivo e de esperança, ele terá que se libertar das correntes da razão prática da ciência materialista e do dinheiro, e erguer-se a outras alturas.

O pensamento português não é contra as religiões, antes pelo contrário. Nelas busca a verdade, a beleza e a bondade da tradição primordial.

5º Também há heresia em relação às autoridades da ciência, porque o pensamento não se aceita sujeito à razão científica, e esta, que eu saiba, não tem também incluída a ideia de Deus. Não demonstrou mas virá a demonstrar a Sua Existência. Para isso teremos que esperar pela resolução de uma equação, talvez a do 5º grau.

Agora vamos à capa.

A escolha do belo desenho da palmeira do Carlos Aurélio foi uma feliz escolha, porque ele é portador das mais amplas e profundas significações: a palma de ouro do herói Eneias, a palma do Domingo de Ramos e da ressurreição de Cristo. A configuração das folhas que são semelhantes à coluna vertebral e que remetem, por isso, o seu sentido para a iniciação. A nitidez do helicóide, da sua inserção no tronco.

Esta incidência no elemento vegetal é de altíssimo valor simbólico, porque a semente é acolhida e enraíza na matéria-prima, que, neste caso, é a tradição portuguesa, havendo, portanto, um movimento para dentro, de recolhimento, para só depois se abrir para a Luz.
Esse tronco robusto, com a inserção das folhas em espiral, desenvolve-se abrindo os ramos ao Sol; mas, cada um é, com efeito, diferente, porque recebe a luz de uma maneira diferente, consoante os pontos cardeais para que está orientado. O virado para Sul mais luminoso, o virado para Norte com mais sombra, obscuro. Do mesmo modo são distintas as expressões dos colaboradores desta revista. Completam esta exploração pela flora simbólica as magníficas fotografias dos bosques, das clareiras da floresta apanhadas pelo Tiago Cunha, retratos daqueles belos versos de Dante:

“Da nossa vida a meio de uma jornada
Em tenebrosa selva me encontrei
Perdido era o caminho verdadeiro”

Quem fala em tronco fala em escol, ou escola, em ligação de vários tempos e gerações, e é isso que também se sente pela variação das idades dos autores, entre os vinte e os oitenta anos.


* Texto lido na sessão de lançamento dos Cadernos de Filosofia Extravagante, em 21 de Março de 2009, na Biblioteca Municipal de Sesimbra.

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