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sexta-feira, 19 de junho de 2009

EXTRAVAGÂNCIAS, 20

Álvaro Ribeiro*
Rafael Monteiro

Algo de insólito se verificou na sessão da Assembleia Nacional, realizada no dia 21 deste mês de Janeiro, ano de 1970.
A evocação tardia (porque feita após o termo da vida terrena) de José Régio permitiu a Veiga de Macedo, associando-se calorosa e sentidamente à homenagem, nobres e justíssimas palavras de apreço por Álvaro Ribeiro, pela obra e pelo escritor, «extraordinário pensador que da sua vida tem feito sacerdócio».
O ilustre deputado leu aos seus pares trechos da «Dedicatória» do último livro do mais português dos nossos pensadores: A Literatura de José Régio – o mais humilde livro que a um homem pode ser dado escrever, «livro porventura único na nossa literatura de pensamento», segundo as certas palavras do editor.
Há muitos anos, certamente, que tão alta e representativa Assembleia não escutava palavras de tão justos louvor e apreço para com a obra de dois dos mais nobres espíritos da nossa terra, de dois dos mais inteligentes portugueses das últimas gerações.
Se podemos pensar que nem toda a assembleia desconhecia o nome de José Régio, cremos ser, para a maioria, nome sem significado, o de Álvaro Ribeiro. Louvemos, por isso, o acto de Veiga de Macedo, o acto de lembrar aos políticos eventos e verdades que, transcendendo-os, importa conhecer: verdades e eventos cujo desconhecimento não dignifica os homens.
Insólito dissemos ter sido o acontecimento; bastará, como demonstração da nossa asserção, o relato da Imprensa, que conta: Veiga de Macedo, a uma interrupção que lhe foi feita, houve que responder, respeitosa e firmemente: «Não estou a fazer retórica! Estou a prestar homenagem a um pensador!»
Tão desabituados andam os homens de ouvir palavras nobres, tão afastados estão da beleza e da verdade!

* * *

Álvaro Ribeiro é, como Régio foi, um vivo entre mortos, ente acordado que pensa e age entre seres adormecidos. Despertá-los tem sido a missão do seu génio; no reino onde dormem, embora adormecidos se entronizem. Se não quereis que vos chamem retóricos, não os desperteis.

Os despertos que durmam – eis a regra de todos os que, à luz, preferem a treva, regra que os obrigou, por feminino temor, ao culto de um deus nocturno; cega-os os raios do Deus luminoso e verdadeiro. Não correspondendo neles a idade cronológica à idade do espírito, continuam adolescentes entre adultos – e o diálogo é de surdos quando estes falam e aqueles escutam.
Álvaro Ribeiro, pensador português agraciado, fez da sua vida – onde há dores e soluços – gratuito dom a todos os portugueses. Entre os anos de 1943 e 1965 escreveu e publicou onze livros magistrais; não podem eles deixar de ser lidos e meditados por todos quantos se dizem honrar com a condição de portugueses.

Depois da influência exercida por Leonardo Coimbra, na Faculdade de Letras do Porto (de 1919 a 1931), Álvaro Ribeiro foi o filósofo português de mais magistral influência em Portugal, quer se reconheça ou se negue tão importante verdade.

Pouco habituados ao reconhecimento, não manifestámos ainda a Álvaro Ribeiro a merecida gratidão que lhe devemos – manifestação que há-de ser, necessariamente, diferente do banquete encomendado ou da homenagem em dia certo…

«Dos trinta anos para cima, e até aos cinquenta, já servi o tempo propício à expiação», escreve o filósofo, citando os Números. Que, para ele, agora, a vida terrena seja de paz, e que nela lhe permitam realizar um dos seus desejos, ainda não há muito manifestado: o de dirigir a publicação de uma edição popular da obra de Aristóteles. Conceder a Álvaro Ribeiro o necessário para – em paz – tornar real o seu desejo, será o modo digno de lhe manifestarmos toda a gratidão que lhe devemos, que todos lhe devemos.

Há, no nosso país, meios suficientes para concretizar aquele desejo; esperemos (a esperança é uma virtude) que os homens inteligentes e bons possam contribuir para que o homem e o pensador viva em alegria e paz os últimos anos da sua vida – entrecortada por dores e por soluços.

*Publicado originalmente em Jornal da Costa do Sol, de 31 de Janeiro de 1970, e republicado em Sesimbra Eventos, n.º 35, Fevereiro/Março de 2005.

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