(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



terça-feira, 6 de abril de 2010

PENSANDO À BOLINA, 28

Pedro Sinde


para L.

Orar
Orar é como trilhar um caminho que vai de nossa casa ao palácio do Rei.
Quando começamos a caminhar custa-nos um pouco e podemos até desistir a meio, fatigados e sem o palácio à vista, julgando mesmo que nem há palácio nem Rei.
A dificuldade é dupla: por um lado, nós mesmos, por falta de hábito de caminhar, ficamos cansados e tendemos a parar ou a regressar ao nosso lugar anterior; por outro lado, o próprio caminho, por não ser trilhado, está cheio de silvas e ervas daninhas que nos dificultam a passagem.
Um e outro problemas resolvem-se do mesmo modo: pondo-nos a caminho do palácio do Rei e recomeçando sempre com o mesmo entusiasmo. Gradualmente, será mais fácil; passará a ser-nos familiar o trilho e não mais estranho: por um lado, conhecendo o caminho já não nos distrairemos com a paisagem, por outro, ainda, conhecendo o caminho, sabendo como lá chegar, podemos atentar melhor ao que nos rodeia sem que isso nos faça perder. Mas o palácio é tão magnífico e a presença do rei é tão majestosa que rapidamente deixaremos de poder prescindir dela. Isso nos fará passar a procurá-la no Seu Reino, enquanto Ele não nos receber no Seu palácio com a frequência com que nós desejaríamos. É que só há Reino porque há Rei: um Reino sem Rei, não é um Reino, é apenas uma terra e, por isso, se soubermos andar, encontraremos por todo o lado os Seus Sinais.

Mas Deus sabe mais!

1 comentário:

  1. Esse texto apologético sobre a oração encerra um princípio oculto, porventura o mais essencial. Opera-se o desenvolvimento da alma (e não só) pela REPETIÇÃO. Claro que aqui não é a repetição mecânica, mas a que cria uma espécie de “ linhas de força” ou de desenvolvimento que tendem a guiar, elas próprias, quem as cria, o senhor dessas criações. Vejamos o seguinte exemplo, este mais visível e bem conhecido no seu funcionamento: a aprendizagem de um instrumento musical, seja o piano, o violino, a flauta, ou outro. O músico, à custa de muito praticar, começa a sentir que, ao fim de algum tempo, é a própria música que o guia, partindo do princípio de que a música é bela e o intérprete tem algum virtuosismo, sendo certo que até num plano de menos refinamento artístico, isso acontece.
    A mística Teresa d’ Ávila – que recusava a tristeza, pois dizia que era pecado estar triste – disse um dia que em momentos difíceis da sua vida (quem não os tem?!) o HÁBITO de muito orar como que a protegeu de resvalar. Ou seja, o belo e elevado pensamento-forma (assim se chama no esoterismo) segurou-a. Foi isso que aconteceu, como, no geral, diz o Pedro Sinde «por um lado, conhecendo o caminho já não nos distrairemos com a paisagem, por outro, ainda, conhecendo o caminho, sabendo como lá chegar, podemos atentar melhor ao que nos rodeia sem que isso nos faça perder».
    Se atentarmos bem neste assunto vemos que o seu cerne não está muito longe do verso de Luiz de Camões «Transforma-se o amador na cousa amada».

    Um abraço

    Eduardo Aroso

    ResponderEliminar