
Tempo
Isabel Xavier
Já dissipada está a ficção do tempo
A morte enrolou-se a cada instante
A noite mais longa transporta no vento
Um coro de estrelas em prece distante.
É a hora da penumbra da manhã
Única em que Deus ainda visita o mundo
Todas as restantes horas são a vã
Memória alada de um distúrbio fundo
E há uma profunda melancolia em redor
Não sei se eu a crio se vem ter comigo
Sei que o próprio espaço constrói arredores
Subúrbios indistintos do meu ser, fascínio…
Desconfio às vezes que a loucura é isto
Ouvir-me e em mim outro que fala
Espelho de mim mesma, à vida conquisto
Mas só no destino em que a morte cala
O distante próximo de cada momento
Nada que é completo, vazio de opostos
Do que não chega a ser, o pressentimento,
Suores da alma a alheios olhares expostos
Não sei se do que a alma padece o corpo sabe
Nem se do que o mundo sofre a alma sente
Sei que o vento sopra, a chuva chove e o sol há-de
Romper a noite com sua luz quente!
Eu também «Não sei se do que a alma padece o corpo sabe».
ResponderEliminar«Ouvir-me e em mim outro que fala» quantas vezes isso me acontece; a questão é que em vez da desejada serenidade (então aí um sol nasce) eles ficam em conflito, mais ou menos como os nossos parlamentares (seja-me permitida tão pesada imagem) e então não se chega a conclusão alguma.
Foi a melhor maneira de concluir este dia. O poema é lindo (como todos os de «Catedral»), mas destaco a quarta e a sexta estrofes.
Eduardo Aroso