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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



quarta-feira, 29 de abril de 2009

SAUDAÇÃO A ANTÓNIO TELMO, 5



Um Homem
António Carlos Carvalho

Se a memória não me falha, conhecemo-nos em 1976. O António Telmo foi ter comigo às instalações de «A Capital», onde então eu trabalhava, para me entregar o manuscrito de «História Secreta de Portugal». Trocámos algumas palavras, ali mesmo, no átrio de entrada da sede do jornal e eu recebi das suas mãos o manuscrito de um livro que logo devorei, entusiasmado com a descoberta.

Nessa altura, eu dirigia a colecção Janus da editora Vega, em que desejava publicar obras diferentes sobre temas fora do comum. «História Secreta de Portugal» era exactamente o tipo de obra pretendida. Mas era muito mais do que isso: uma obra pioneira, um rumo novo que se abria entre nós.

Para mim, que alguns anos antes, noutra editora, tinha traduzido «O Mistério das Catedrais», de Fulcanelli, aquele manuscrito de António Telmo era a resposta perfeita à minha interrogação: porque é que não se fazem «leituras» destas a partir dos nossos próprios monumentos, decifrando-os? Pois bem, ali estava então o que eu desejava. Um livro luminoso, que nos abria os olhos para a mensagem do Mosteiro dos Jerónimos.

E assim se publicou «História Secreta de Portugal» na Vega. É verdade que essa edição não nos correu bem, a mim e a António Telmo. Doeu-me e indignou-me a maneira como ele foi maltratado pelo editor – há editores que são verdadeiros predadores, mas só então demos por isso... Passado um ano e tal, o mesmo editor anunciou-me que a colecção Janus ía acabar «porque não se vendia». Afastei-me da Vega em 1978 mas claro que a colecção existe até hoje e continua a reeditar essas obras sem pagar direitos aos autores...

Adiante.

O António Telmo e eu continuámos a cruzar os nossos caminhos por aí, já sem nenhum vínculo de carácter editorial a ligar-nos, mas com interesses comuns que nos aproximavam. Encontrámo-nos várias vezes em Sesimbra, na casa do Rafael Monteiro, discutindo as excelências da Filosofia e da Religião, cada um de nós batendo-se pela sua dama com a energia que se impunha.

Em 1980, assisti, deliciado, no Palácio Foz, à magistral conferência de António Telmo sobre «O Segredo d’ Os Lusíadas». E fui lendo as outras obras que ele ía publicando. Para mim, que nunca fiz parte do grupo da Filosofia Portuguesa mas conheci alguns membros desse grupo, António Telmo era, e continua a ser, o elo da cadeia de transmissão de uma certa forma de pensamento português, neste país cada vez mais à deriva.

Lendo o que ele escreve (e relendo, porque somos sempre obrigados a relê-lo) ou ouvindo as suas palavras, aprendo sempre alguma coisa mais. Nele há sempre inovação, o que significa que António Telmo rejuvenesce por dentro. Contador de histórias, os seus contos filosóficos fazem-nos pensar – e acordar. Sem esquecer o seu humor, que nos desarma, a nós que fazemos questão de parecer gente séria e grave.

Vejo em António Telmo a figura exemplar do que a terminologia bíblica designa por Zaken, e que é muito mais do que simplesmente o ancião: é o homem que, através da sua experiência, adquriu a sabedoria. De facto, há nele algo do sábio talmudista, aquele que, dialogando consigo e com os outros, encontra sempre algo de novo no que foi dito e repetido até à aparente exaustão.
Há dias, em troca de mensagens com o Pedro Martins, dizia-lhe eu que sou apenas um farejador, como aqueles cães que buscam seres humanos no meio das ruínas dos sismos. Também eu farejo o Homem no meio das ruínas do nosso tempo. O que não tem nada de novo, de original. A desertificação da humanidade é muito antiga: Moisés «virou-se para um lado e para outro e viu que não havia homem»; David aconselhou ao filho Salomão: «Coragem pois e sê homem»; séculos mais tarde, Diógenes andava com uma lanterna à procura de homens verdadeiros.
Essa busca de Moisés, de David e de Diógenes é ainda a nossa, hoje, aliás cada vez mais premente.

António Telmo é um desses poucos Homens verdadeiros que me foi dado conhecer.

Por isso agradeço a Deus a dádiva e peço-lhe que o guarde por muitos anos, para nos mostrar o Oriente e entender essa luz.

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