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segunda-feira, 9 de março de 2009

A PONTA DO VÉU, 13

Decifração. É o que Alexandre Teixeira Mendes se propõe versar em Poética (e Configurações) Marrana(s), de que agora se publica um excerto. Trata-se de uma abordagem ao cripto-judaísmo que, durante séculos, perpassou a literatura portuguesa, em especial desde a catástrofe da Inquisição. Mas a inquirição do duplo sentido e das meias palavras não é apenas questão de heterodoxia, ou de heresia. É também a demanda de uma condição sui generis, qual a do marranismo emergindo na sua poética.
Alexandre Teixeira Mendes nasceu em Refojos, Cabeceiras de Basto, em 1959.
Foi profissional de jornalismo em O Primeiro de Janeiro e no Jornal de Notícias. É poeta e ensaísta, contando-se, entre os seus livros, títulos como Dourada A Têmpera (Lisboa, edições tema, 2000); Do Verbo Escuro ou da Pronunciação que não cessa (Lisboa, edições fluviais, 2002); Despre uorbirea oculta sul despre pronuntia care nu inceteaza (Editura Nereaia Napocae, Cluj, 2003); Cegueira do Propício (Lisboa, edições do buraco, 2005); Non Omnis Confundar (Porto, incomunidade, 2006); Até quando o incêndio em Sepharad (Porto, incomunidade, 2007); e Barros Basto – A Miragem Marrana (Ladina, 2007).
É membro da Direcção da Ladina – Associação de Cultura Sefardita e da AJHLP – Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Tem colaborado em diversas publicações de índole literária e ensaística, como Artes e Letras, O Tripeiro e Agália (Santiago de Compostela). Conferencista em diversos encontros portugueses e galego-portugueses, dedica-se em especial ao estudo da poética e da filosofia portuguesa.
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POÉTICA (E CONFIGURAÇÕES)
MARRANA(S)

É verdade que até ao último terço do século XIX a própria historiografia e filosofia positivista – especialmente a académica – renunciava à reflexão em torno da religião, da arte e da poesia marranas. Tornou-se necessário não somente projectar para a primeira cena um novo personagem - o cripto-judeu - mas também demonstrar a intrínseca relação do marranismo com a cultura e o pensamento portugueses, e isto foi realizado por Sampaio Bruno. O desafio consistiu em circunscrever explicitamente (num determinado contexto espácio-temporal e ideológico “avant-garde” do “fin-du-siècle”) os diferentes aspectos sob os quais pode ser considerado sumariamente o problema complexo da fé – o núcleo da individuação religiosa marrana sephardi – relativamente à qual nos limitamos a referenciar paradoxalmente, diríamos, o traçado do chamado catolicismo (que acabou saindo vitorioso) e o mosaísmo (como uma tradição que é transmitida).

Recalcamento
Falámos de um sincretismo (presente no converso) por demais inegável (em uma complexidade contraditória) e também de um quadro psíquico de recalcamento, como mais adiante veremos, que, assim, subsistiu através de gerações (o retorno inelutável do reprimido). Reconhecendo a importância do engajamento marrano – a partir de diversos índices discursivos – poético-narrativos – não deixaremos, contudo, de considerar a dialéctica do infinito do sentido – a redenção pela linguagem. Aqui se torna evidente a urgente necessidade de procurarmos uma via de acesso adequada à determinação do marranismo - a pedra de toque dos comportamentos, das práticas e de um sistema de crenças bastante distintas – tomando em consideração a imagem de si – construída no e pelo discurso. É muito fácil de ver que a escrita e a criação literárias marranas – na sua dis(con)junção – lance de dados – traçou uma linha de demarcação da arte como criptografia metafísica. Seguramente. Trata-se de re(des)velar a (sub)cultura fazendo ecoar a letra e a voz que o anátema – a coerção inquisitorial – fez calar. Neste contexto, o importante é ter em conta que a liberdade se insere na dimensão do imperscrutável.
(...)

Alexandre Teixeira Mendes

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