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sexta-feira, 4 de junho de 2010

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 40

António Carlos Carvalho

A propósito da petição referida aqui, lembrei-me de ter visitado, há uns 20 anos, o cemitério dos judeus portugueses em Amesterdão (Ouderkerk, nos arredores), onde me comovi vendo, num sector especial do mesmo, uma série de pequenas placas com nomes portugueses, representando alguns dos muitos que morreram em campos de concentração -- e então perguntei-me: porque é que ninguém nos falou disto? Porque é que insistimos no papel «neutral» do nosso país durante a Segunda Guerra, quando afinal houve descendentes de portugueses que foram vítimas desse horror?

Ouderkerk: cemitério dos judeus portugueses em Amesterdão

Entre eles Emmanuel Querido, editor, nascido em Amesterdão, a 6 de Agosto de 1871, e que viria a ser assassinado no campo de Sobibor, em 23 de Julho de 1943, juntamente com a sua mulher.

Irmão do escritor Israel Querido, Emmanuel Querido fundou em 1898 uma livraria que se tornou rapidamente um importante ponto de encontro dos intelectuais holandeses em Amesterdão. Depois, em 1915, fundou a sua própria editora, cujos primeiros sucessos foram as traduções de «L’enfer» e «Lefeu», romances pacifistas de Henri Barbusse. Ele próprio escreveu e publicou um romance autobiográfico, «A Linhagem dos Santeljanos», sob o pseudónimo de Joost Mendes.

Em 1934, criou uma colecção de livros de bolso -- um ano antes da célebre colecção da Penguin.

Nesse mesmo ano, perante a crescente vaga de escritores alemães e austríacos exilados, que fugiam da Alemanha de Hitler, Querido decide criar a Querido Verlag, para publicar as obras desses exilados que agora não tinham editor alemão. E assim acolheu escritores como Alfred Döblin, Heinrich e Klaus Mann, Anna Seghers, Arnold Zweig, Joseph Roth, entre outros.

David Bronsen descreveu-o nestes termos: «um homem de cabelos brancos, de pequena estatura e de um temperamento forte, dotado de um certo sentido de humor, um pouco paternalista, com olhos azuis de capitão de navio num rosto burilado radiante de inteligência».
Só que a Holanda acabou por ser ocupada e a editora encerrada e os seus livros destruidos. Emannuel Querido ainda fugiu para o interior do país, mas a Gestapo apanhou-o em 1943.
A editora renasceu das cinzas e ainda hoje existe; o editor é que desapareceu realmente em cinzas, como tantos outros portugueses que o Governo português não quis salvar.
Não devemos esquecer nada disto -- para que coisas destas não se repitam, e porque pesam sobre nós séculos de vergonha.

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