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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

EXTRAVAGÂNCIAS, 27

A propósito de “Amor Fati”, de Pedro Sinde
Isabel Xavier

No domingo passado, dia 23 de Agosto, vim espreitar o blogue, como outras vezes faço. Desta vez deparei-me com o texto “Amor Fati”, de Pedro Sinde. Eram exactamente aquelas as palavras que eu precisava de ler naquele dia. Depois lembrei-me de que também eu escrevera há muito tempo um poema que ia numa direcção semelhante. Procurei-o, achei-o, e soube que já o tinha escrito em Junho de 1997! O que é que acontecera entretanto? Esquecera o que eu mesma tinha escrito? Ou será que só sabemos as coisas enquanto as estamos escrevendo?

A Praia, de João Vaz: clique na imagem para a ampliar
Falei sobre isto com o Pedro Sinde, que escreve como ninguém, de um modo que sempre produz em mim uma espécie de eco, algo que me desperta e me inspira para a vida e para a escrita. O Pedro incentivou-me a enviar o (velhinho) poema para o blogue. Ei-lo:

Amo cada momento
De que se fez a minha vida
Cada ilusão perdida
Cada dor, cada desgosto
As lágrimas que me correram pelo rosto.
Amo as alegrias também
A doce recordação de minha mãe
A realidade de ser
A verdade de olhar e ver
Aquilo que me rodeia:
Traços desenhados na areia
Da praia do mistério e do amor
Onde mora a minha alma, a dor
Que Deus me deu
E constitui a passagem
Que existe p’ra lá do eu
Ao longo desta viagem:
Fascínio do impossível, inquietação
Ausência, loucura, inspiração
A Luz que preside à criação
E acima de tudo o dom da Vida
Excessiva, bela, errante, desmedida
À dimensão exacta da Verdade
Em mim e nós, por vós, na Eternidade!

1 comentário:

  1. TARDE DEMAIS

    Este amor feroz
    Pelos trilhos marginais
    É a regra atroz
    Das ferrugens naturais
    Que me corroem a ossatura

    Sou uma dor sem voz
    Nos palcos da decadência
    Olhando o albatroz
    Que arranca à potência
    A foz da sua partitura

    A orquestra que nos desafina
    No concerto das palavras ocas
    Ouve o aplauso que assassina
    O delírio medroso das bocas
    Que são o coro das prosas loucas

    Esta dose defunta
    Sem rostos de paradeiros
    É a febre que se unta
    À cadeia dos sendeiros
    Que usam hinos alheios

    Esta forja é fria
    Sem o fogo da coragem
    É o breu que se espia
    Às camas da estalagem
    Sem os corpos dos recheios

    O carrossel que usa figuras
    Sem nome sem a fibra dos feitos
    É o licor das noites escuras
    E da taberna dos imperfeitos
    Onde se produzem os eleitos

    A laca que se aplica
    Às folhas frescas do tédio
    É o corso que explica
    As ondas globais do assédio
    Aos delírios sem remédio

    As orações dos novos heróis
    Giram em ciclos de panaceias
    Que ofuscam as limas dos sois
    E clareiam a noite das ideias
    Ao velho anel negro que semeias

    O nome do namoro
    É um quadro sem pintura
    Sem autor mas com coro
    Que pinta o que não dura
    Com cores de sepultura

    Tudo o que se depura à calha
    São as arcas das penas sem dor
    Porque as lágrimas são quem encalha
    Os rastros secretos do sabor
    Presos aos mercados do valor

    E ao suar na cama nua
    Entre lençóis de escamas
    Sei que na foz da rua
    Ouço as brigas dos dramas
    E fujo do livro em chamas

    Porque o verbo do rio que se escuta
    Perdeu o leito onde flutua
    A melodia da manhã enxuta
    E já não se ouve o amor que sua
    Quando a noite é a flor da lua.

    Jorge Brasil Mesquita

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