Isabel Xavier
No domingo passado, dia 23 de Agosto, vim espreitar o blogue, como outras vezes faço. Desta vez deparei-me com o texto “Amor Fati”, de Pedro Sinde. Eram exactamente aquelas as palavras que eu precisava de ler naquele dia. Depois lembrei-me de que também eu escrevera há muito tempo um poema que ia numa direcção semelhante. Procurei-o, achei-o, e soube que já o tinha escrito em Junho de 1997! O que é que acontecera entretanto? Esquecera o que eu mesma tinha escrito? Ou será que só sabemos as coisas enquanto as estamos escrevendo?
Amo cada momento
De que se fez a minha vida
Cada ilusão perdida
Cada dor, cada desgosto
As lágrimas que me correram pelo rosto.
Amo as alegrias também
A doce recordação de minha mãe
A realidade de ser
A verdade de olhar e ver
Aquilo que me rodeia:
Traços desenhados na areia
Da praia do mistério e do amor
Onde mora a minha alma, a dor
Que Deus me deu
E constitui a passagem
Que existe p’ra lá do eu
Ao longo desta viagem:
Fascínio do impossível, inquietação
Ausência, loucura, inspiração
A Luz que preside à criação
E acima de tudo o dom da Vida
Excessiva, bela, errante, desmedida
À dimensão exacta da Verdade
Em mim e nós, por vós, na Eternidade!
TARDE DEMAIS
ResponderEliminarEste amor feroz
Pelos trilhos marginais
É a regra atroz
Das ferrugens naturais
Que me corroem a ossatura
Sou uma dor sem voz
Nos palcos da decadência
Olhando o albatroz
Que arranca à potência
A foz da sua partitura
A orquestra que nos desafina
No concerto das palavras ocas
Ouve o aplauso que assassina
O delírio medroso das bocas
Que são o coro das prosas loucas
Esta dose defunta
Sem rostos de paradeiros
É a febre que se unta
À cadeia dos sendeiros
Que usam hinos alheios
Esta forja é fria
Sem o fogo da coragem
É o breu que se espia
Às camas da estalagem
Sem os corpos dos recheios
O carrossel que usa figuras
Sem nome sem a fibra dos feitos
É o licor das noites escuras
E da taberna dos imperfeitos
Onde se produzem os eleitos
A laca que se aplica
Às folhas frescas do tédio
É o corso que explica
As ondas globais do assédio
Aos delírios sem remédio
As orações dos novos heróis
Giram em ciclos de panaceias
Que ofuscam as limas dos sois
E clareiam a noite das ideias
Ao velho anel negro que semeias
O nome do namoro
É um quadro sem pintura
Sem autor mas com coro
Que pinta o que não dura
Com cores de sepultura
Tudo o que se depura à calha
São as arcas das penas sem dor
Porque as lágrimas são quem encalha
Os rastros secretos do sabor
Presos aos mercados do valor
E ao suar na cama nua
Entre lençóis de escamas
Sei que na foz da rua
Ouço as brigas dos dramas
E fujo do livro em chamas
Porque o verbo do rio que se escuta
Perdeu o leito onde flutua
A melodia da manhã enxuta
E já não se ouve o amor que sua
Quando a noite é a flor da lua.
Jorge Brasil Mesquita