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domingo, 19 de abril de 2009

PALAVRAS QUE FAZEM VER, 11

[Álvaro Ribeiro, o símbolo e a inspiração]

“Ao verdadeiro artista não se põe o problema de exprimir sinceramente a sua sentimentalidade, mas o problema de constituir imagem sensível de uma realidade insensível. A esta imagem se dá o nome de símbolo. O artista incapaz de imaginar, de verter o insensível no sensível, tem de recorrer a símbolos já feitos por outrem, e tal é o caso quando a escola forma tradição.”

“Chama-se inspiração aquela graça que o artista recebe depois de muito ter exercitado a imaginação. Quem desconhecer os nomes e as significações das nove musas, nunca chegará a compreender o que transcende o valor da obra artística. Inspirada, a imagem simbólica é a revelação do mundo sobrenatural.

Este poder de dar forma ao que ainda não tem forma, este poder demiúrgico, é efectivamente análogo ao poder divino. Lembremo-nos, porém, de que a forma significa o contrário da figura, na medida em que o exterior significa o contrário de interior. Há no instinto algo de que o artista tem de conseguir o domínio consciente para imaginativamente o relacionar com a vida sobrenatural.

Quando a obra de arte representa esse êxito, ela é divinamente comunicativa como nenhuma das mais. Então se pode falar de imaginação criadora, de imaginação que aumenta a realidade, enfim, de ideia. Todo o homem que tal atinge, estremece de paixão, de sentimento e de emoção, como se regressasse ao estado de alegria.”

Álvaro Ribeiro
(excertos retirados de A Razão Animada, INCM, 2009)

2 comentários:

  1. Deixo aqui, em jeito de comentário, um textinho escrito há uns meses:

    A alegria


    O pintor duvida, sua, tenta, apaga, dobra-se, olha de longe. desvia o olhar. Ajusta a cor à emoção, sai de si em êxtase e agarra a alma do modelo com a amplitude de um pincel. Agita-se. Dorme, definha, não come. Não acorda a pensar nos próximos pincéis, nos próximos tubos de tinta a espremer. Arrasta-se pela casa com olhos sonolentos e dirige-se como um sonâmbulo para o quadro. Quando grita, o pincel grita com ele. Quando ama, o pincel ama mais, e quando chora cai uma lágrima de tinta. Dói o corpo todo ao artista. Não tem posição e esquece-se de todas as posições em que está. O corpo é um invólucro dorido e leve. A arte só é possível com algo de zen no paradoxo. O fogo não destrói, une. E por fim pára, o pintor, e a respiração pára com ele. O pincel desliza caindo suavemente no chão. A obra está pronta. E acontece esse momento indescritível, único, fugaz, com qualquer coisa de forte e de ligeiro em simultâneo e com a dimensão da razão inteira da existência da vida e do mundo. A obra olha para o pintor, reconhece-o e, de uma forma altamente misteriosa, transmite-lhe a alegria. Não uma alegria qualquer, do Carnaval ou do aniversário. Mas a Alegria, a verdadeira. É breve, esse momento, mas é o derradeiro voo em direcção à certeza. É nesse momento que a obra mostra estar, por fim, viva.

    Cynthia Guiarães Taveira

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  2. E outro sobre o símbolo na arte:


    O Símbolo


    O símbolo submete o pintor à sua vontade. Prende-lhe os gestos, os movimentos mas obriga-o a olhar para além da imagem. Procura o sentido da forma: do cálice, da ave, do céu, da noite. Procura em seguida conjugar sentidos, semânticas visuais. Nada pode falhar com o símbolo. Ele é preciso, exigente, rigoroso. Quando escolhe símbolos, esse pintor, procura não mentir, não falhar. É mais escritor do que pintor, nessas alturas em que a pintura de um pôr-do-sol não tem de estar perfeita mas sim o seu sentido. Ajoelha-se perante as palavras encerradas no símbolo e procura mais longe: o seu âmago, a sua raiz, o que esconde quando revela. Sim, somos demasiado humanos para o símbolo e para saber a matéria de que é feito, qual a ideia que, concentrada, pulsa no seu interior. Talvez este simbolizar permanente seja apenas a casca, dura, impermeável, inflexível e, por isso mesmo, a quebrar, a destruir, a renunciar, para que se faça luz enfim. Talvez esses símbolos pintados não passem de fronteiras para outro mundo, inúteis em si mesmos, mas importantes no momento em que desaparecem no horizonte.


    Cynthia Guimarães Taveira

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