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sábado, 18 de julho de 2009

NOS 70 ANOS DE PINHARANDA GOMES, 6

“Da Revolução[1]

Portugal vive entre duas tradições. Reaccionária, uma, revolucionária, outra. É reaccionária a tradição do Sebastianismo. É revolucionária, a tradição dos Descobrimentos. D. Sebastião perspectiva a decadência, o cativeiro e o desterro, não obstante o seu carácter messiânico. Os Descobrimentos perspectivam a ascendência, a liberdade, e a conquista da terra prometida.
A Portugal importa, nesse caso, suplicar pela vinda do novo Infante de Sagres, cuja missão será a de descobrir a Índia ideal. Sebastião simboliza o desejo de domínio, o Infante simboliza o propósito do descobrimento. Aliás, a missionação portuguesa assentava numa missionologia de testemunho. O modelo inspirava-se de S. Francisco: não se trata de ir por esse mundo converter, tornar igual a mim. Trata-se de ir por esse mundo e de viver segundo a vida de Cristo. A seguir, à curiosidade dos povos perante esse modo de vida, responder: “– Vinde e vede.” (Jo, I, 39). Deixando a quem vem, e a quem vê, o direito de escolha, a liberdade de opção. O conversor não é o apóstolo. Ele é tão somente o testemunho do que tem o poder da conversão pela graça. Não nos restam dúvidas, com tudo isso, que a revolucionária missionação portuguesa foi possessa da reaccionária missionologia da Europa central e nórdica, que nos ensinou a vender o Cristianismo como quem vende chapéus. Lugar para a diferença: a missionologia portuguesa define-se como um modo de estar; a missionologia europeia define-se como uma tecnologia de promoção. Quais, nesse caso, as duas pernas do testemunho português ao mundo? Um, a presença, dois, o diálogo. Corolário: a oração pelos simples, a apoteose dos “pobres de Espírito”. Pobres de Espírito são os que amam o Espírito, e só esses estão em condições de santidade.”
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“Talant de bien faire [2]
Sob os ataques cruzados das instituições e do próprio Estado, que incarna a anti-Pátria, sedento que se acha de sorver os bens do povo, qual quadrilha lançada, pela calada da noite, sobre os bens do povo; sob as traições da hipocrisia instituída em serviço público; à filosofia portuguesa, situada, na condição adversa de Portugal, incumbe uma prática de santificação. Com efeito, em Portugal, a filosofia, além de filosofia, é santa. Porque sofre as condições do ergástulo, porque padece as afrontas do insulto e da ignomínia, porque é um valor marginal.

Na adversidade da situação, a filosofia tem serviços a cumprir e serviços a prestar. Em primeiro lugar, ser filosofia contra tudo e contra todos, mesmo quando os suportantes hajam de pagar impostos pelos quais vivem os inúteis. Em segundo lugar, proceder à rediagnose das linhas de apuramento sapiencial que se constituem como paradigmas do essencial: o messianismo fundamental – seja ele revelado em múltiplas formas: messianismo, atlantismo, sebastianismo, astralédia, Quinto Império; seja ele revelado na forma informal e universal da saudade e da esperança. Em terceiro lugar, renovar com actualidade – força de acto, para aqui, e para agora – as grandes orientações das vias septiviais: saber falar, saber pensar, saber escrever, saber calcular, saber viajar, saber medir e saber harmonizar. Em quarto lugar, oferecer ao mundo do nosso tempo a grande visão da enciclopédia e, por fim, propor uma nova classificação de todas as ciências. Tudo se faz com esperança de fazer. Nada se faz com desesperança. A filosofia portuguesa chama-se Elpídio – homem da esperança. “O Desterrado”, imagem salutífera de Portugal, devida a Soares dos Reis, tem o torso curvado para a terra, a cabeça abatida, mas os olhos reviram-se para o céu das ideias. O carácter elpídico da filosofia há-de santificar o pensamento filosófico no desterro de Portugal.
Para esse pensamento nunca se proporá uma figura abatida e desgraçada, demitida e triste, D. Sebastião. Há-de propor-se uma figura em cujo perfil se tenha configurado a coexistência da filosofia teórica, da filosofia poética e da filosofia prática. Uma figura de ascensão e de expansão, o Infante Dom Henrique. O vindouro “Infante de Sagres” é carisma de criação, de ascensão e de expansão. Ele se propõe, imagem positiva, à ditadura decadentista dos sebastianistas, que nos querem tristes e desarmados, para melhor nos explorarem, em nome de coisas que eles ignoram o que sejam. Com o Infante de Sagres, o Espírito passará.
Deixemos passar o Espírito…”
Pinharanda Gomes

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[1] «Portugal, Possível e Impossível», in Entre Filosofia e Teologia, Lisboa, Fundação Lusíada, 1992, p. 199.
[2] «A Filosofia na Terra do Desterro», in Entre Filosofia e Teologia, Lisboa, Fundação Lusíada, 1992, pp. 267-270.

1 comentário:

  1. DO PASSADO AO FUTURO


    Henrique foi o princípio. Sebastião foi o fim. Tudo o que nos resta é memórias delirantes e separadores históricos como a implantação da República, a instauração da Ditadura e o regresso à Liberdade. O que nos sobra são os escritores e os poetas que discursam sobre a cultura das ignorâncias que grassam pelos interstícios das mentiras que de faros apurados, transformam filosofias em desterrados, não dos que espreitam as ideias para que delas se produzam consumos de actos inovadores que rompam o tédio da banalidade, mas dos que soçobram perante as epilepsias sebastiânicas que abundam por aí e aplicam a missionologia da indiferença. Portugal é o castro da Europa. Sonham os que nos ditam as leis com as fábricas das tecnologias mentais e não pensam – custa pensar – que o que nos faz falta é a dimensão ética de uma filosofia humana que ensine a todos os que preenchem a Nação que entre um Henrique, um Sebastião ou um Desterrado, há o acto da criação que transforma a missionologia caótica da ruína mental, na sublimação da filosofia que revoluciona o pensamento de quem não pensa ou não sabe pensar.


    Jorge Brasil Mesquita

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