(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

NO CORAÇÃO DA ARTE, 33

Cynthia Guimarães Taveira





A Paz
Disseram-lhe: - Esse seu quadro feito de azuis transmite-me paz.
Paz, uma palavra que nunca lhe tinha ocorrido. Uma palavra que raras vezes sentia. Uma palavra longínqua como o voo de uma ave. Tendia a não assinar os quadros pela infinita razão de saber que não era sua a autoria. Duas vidas num corpo: uma conhecida, outra desconhecida. Vidas paralelas unindo-se, apenas, no acto de pincelar. Seria um anjo que lhe soprava a inspiração? Ou seria esse seu outro ser, camuflado nas sombras da sua alma? De onde vinha esse outro mundo que criava? De que parcela desconhecida do cosmos ele era retirado? O lápis esvoaçava livremente mas estava em escuta enquanto se ia fixando à tela. Escutava palavras e transformava-as em traços. Sabia que os seres nunca mudavam ao longo da vida. Permanecíamos sempre os mesmos, carregados de defeitos, e tão longe da perfeição. No entanto, o mistério sondava o som dos seus passos na calçada. Que aprendemos em vida? Como nos moldamos a nós mesmos? Teríamos de facto uma vida paralela, no interior do interior somente escutada por Deus e por esse lápis que viajava incessantemente? Na televisão davam um funeral de um músico cigano que tinha passado grande parte da sua vida a tocar violino. Teria sido ele ou esse outro ser vivente dentro dele? E, do outro lado, qual deles seria julgado? O de cá, breve e imperfeito ou o de lá que sempre esteve tocando pelo mundo melodias nobres e dignas de serem escutadas por Deus?

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