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quinta-feira, 26 de maio de 2011

SABEDORIA ANTIGA, 19


















O caminho intelectual para a Índia

Alexandra Pinto Rebelo

1498 conta-se entre as datas mais simpáticas para o povo português. Vasco da Gama chega à Índia. O ter chegado à Índia não constitui um feito por si só. Antes dele Alexandre ou os muçulmanos já tinham inscrito as suas viagens, e influências, nas páginas da história daquele enorme país.

O que tornou a viagem de Gama diferente foi o facto de ter sido realizada por mar o que, em linguagem científica da época, significava uma coisa extremamente importante: a rapidez. Gama, ficou célebre, então, por ter ligado, tão rapidamente quanto possível para a época, as culturas marcantes da Europa de então à Índia. Ou se quisermos, o Ocidente ao Oriente.

Para nós, hoje em dia, esse feito tem uma importância mais profunda em termos dos mitos que fomos capazes de gerar sobre o assunto, do que propriamente pela sua importância real. Se, presentemente, já se faz a coisa de avião, gastando apenas algumas horas, isso quer dizer que a epopeia do Gama ficou uma coisa datada, com importância apenas quando se fala de história, mas sem importância nenhuma para os tempos que vivemos. Se já temos antibióticos super potentes, quem vai dar importância às sanguessugas que chuparam milhões de litros de sangue aos infelizes que ficaram doentes no seu tempo?

Mas os orientais, permitam-me que assim os chame de uma forma incorrecta, é certo, mas terrivelmente económica, não se esquecem da viagem do Gama. Em diversos pontos do mundo, ao perceberem que eu vinha deste cantinho, já me disseram, sempre em voz alta “Gama”, “Gama”. Aquele nome, assim retirado das mitologias com que me o ensinaram a envolver, sempre me soou a qualquer coisa estranha. Sempre me limitei a sorrir e a responder com o mesmo nome “Gama”, “Gama”, não fazendo ideia do que estava a dizer. Isto pode parecer confuso, mas não é. Eu sei o que quero dizer quando digo a palavra Gama num contexto português. Mas o que quererá dizer a palavra Gama, quando pronunciada por um oriental? Será isso bom, ou mau? Parece-me, ao menos que, se repetir a palavra, o outro entenderá que estou a sublinhar o seu pensamento.

Será que o sublinho? Possivelmente. Possivelmente, sublinharei todos, ou quase todos, os pensamentos que se possam ter sobre o Gama, ou de alguma forma, sobre as reacções que a sua viagem causou. É óbvio, que prefiro sublinhar Os Lusíadas. É a grande epopeia do seu tempo, sem dúvida, mantendo-se como o grande livro nacional até hoje. Nenhuma tempestade educacional conseguiu retirar aquilo dos nossos programas de estudo. Os Lusíadas são as nossas pirâmides monumentais e eternas.

Mas também consigo compreender a posição dos outros. Daqueles que se sentiram invadidos pelas viagens inesperadas que colocavam seres estranhos nas suas costas marítimas de um momento para o outro, terminando-lhes com o sossego de serem indianos e de gostarem disso.

Compreendo o insulto de serem incomodados por uma cultura que nunca fez grande esforço para os compreender. Este insulto, se nós soubermos ser humildes, deve também estender-se a nós mesmos, àquilo que poderíamos ter feito e não ofizemos nem o fazemos.

Para além da glória de termos descoberto o caminho marítimo para a Índia, devíamos, igualmente, ter tido a glória da descoberta do caminho intelectual para lá. Quero com isto dizer que, Portugal, pela sua posição privilegiada, pela amizade, até, que soube fazer com aqueles povos, poderia ter-se dedicado ao estudo dos seus textos, das suas tradições, formando ilhas bem aventuradas de saber.

Poderíamos ser um dos países ocidentais com mais especialistas nas áreas humanistas ligados àqueles povos, poderíamos ser uma referência a nível mundial (segundo o palavreado sem sabor desta época), mas nada disso aconteceu ou acontece.

Na Índia há uma lenda muito conhecida sobre Brahma, o criador do mundo. Brahma, criou a sua companheira, Sarasvati. Apaixonou-se por ela e imediatamente lhe lançou olhares fogosos. Sarasvati ficou assustada. Tentou fugir dele para cada um dos pontos cardeais mas, para onde quer que fosse, Brahma desenvolvia uma nova cabeça para a ver. Até que Sarasvati foi para o céu e o deus desenvolveu a sua quinta cabeça, olhando para cima.

Quem sabe a data de cór, 1498, deve também saber lendas como esta, compreendendo a sua profundidade e sabedoria. É a única forma destes números fazerem um sentido, transformando todas as rotas em bons sentidos.

É que, ao contrário do que afirmou Pessoa, não ficámos desempregados a partir do momento em que descobrimos a Índia. Pelo contrário, criaram-se inúmeras oportunidades intelectuais, quase todas elas deixadas vagas até hoje. Por isso, quando me voltarem a dizer “Gama”, “Gama”, vou continuar a responder em eco. Seja lá o que isso for, esperando, ao mesmo tempo, que isso seja tudo.

1 comentário:

  1. Pessoa, segundo interpreto, quis simplesmente dizer que depois do PROJECTO DAS DESCOBERTAS (do qual a descoberta da Índia é das obras maiores) não tivemos outro à altura, nem sequer parecido.

    A Alexandra (permita-me que a trate assim) entende que criaram-se «inúmeras oportunidades intelectuais, quase todas elas deixadas vagas até hoje» e neste sentido já é criar emprego? Bom, talvez assim seja, mas será que, havendo emprego, não se queira trabalhar? Não é isto à imagem do que se passa em Portugal hoje? Digo-lhe isto, pois conheço patrões que vão ao SNE e não conseguem trabalhadores, pagando-lhes o devido (a alguns até mais do que a lei estipula), oferecendo todas as condições de segurança laboral, etc, e passados 2 ou 3 dias os empregados vão-se embora, pedindo depois um papel (documento)… Só falei nisto a propósito e não a despropósito, sendo que a análise desta situação revela situações psicológicas e sociais de certo cariz, que extravasam questões económicas e laborais.

    Cumprimentos

    Eduardo Aroso

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