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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

AGOSTINHO, 104 ANOS DEPOIS, 6


Herta*
Há pessoas que nasceram com o dom de imaginar e quase até diria com o dever de imaginar: porque, em virtude de qualquer disposição superior que nos escapa, a vida lhes transcorre tão fixamente no mesmo lugar e tão vazia de acontecimentos que na realidade a única possível existência para eles é a do sonho. Quanto a mim, se dispuseram os fados de outro modo: acho que por excesso de vida exterior, o imaginar me ocorre tão delgado que apenas consigo narrar o que vi, ouvi e senti; e à primeira situação difícil que se me depara na vida, tenho logo de recorrer ao conselho dos meus amigos para que me desenvencilhem da situação; a menos que a própria vida se não encarregue de o fazer, coisa que tem sucedido, mas quase sempre com um desembaraço meio brutal que, para dizer a verdade, me não agrada nada.
De vez em quando penso nisto, ou, como diz gente da minha terra, «magino» disto; porque, pelo que se refere a pensar, abstracta e discursivamente, não vai por aí o meu gosto. De qualquer modo, sucede que hoje pensei nisto, entre as muitas coisas que tenho pensado neste quarto de hospital; e sobretudo durante a noite: noites irreais, pesadas de todo o sofrimento e, no fundo, de toda a resignação que vem dessas enfermarias e desses quartos; donde a onde, o relógio, donde a onde o passo do vigia, e a luz mortiça, e a gente lembrando-se dos bons dias de saúde que se julgavam eternos.
Agostinho da Silva
* excerto retirado de Herta / Teresinha / Joan, publicado em 1959

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