(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



sábado, 28 de agosto de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 86


António Telmo*

Rodrigo Sobral Cunha


Escrito no dia da sua morte
e lido junto à campa
(Estremoz, 21-22 de Agosto)

Escreveu Goethe que é necessário um lustro para acontecer alguma coisa relevante na nossa vida. A mostrar que não é bem assim, vou dizer três palavras acerca dos primeiros cinco anos da vida de António Telmo.
Em primeiro lugar mencionarei que a sua alcunha, em rapaz, era “o chinês”; chamavam-lhe assim por causa do desenho dos olhos celígenos para o horizonte. Mencionarei em segundo lugar que por essa época fez os seus primeiros ensaios de fisga (pois foi um exímio atirador de fisga, tendo chegado a desafiar um aluno rebelde já enquanto professor em Estremoz). E em terceiro, referirei os octógonos que tinha o hábito de desenhar nas paredes, utilizando para isso ervas (como se pode ver numa fotografia do livro cujo título junta o seu nome ao de Portugal).
O primeiro dado, a alcunha, “o chinês”, ligar-se-á ao orientalismo de António Telmo, que se pode resumir assim: é o sol da alma que faz mover o sol cósmico. Um poente é um acontecimento transcendental. Poderíamos falar também da ligação à Flor de Oiro que houve no filósofo da razão poética portuguesa, mas basta dizer que a pneumografia que António Telmo fez de Camões – no texto “A identidade religiosa de Luís de Camões” – é também um texto autobiográfico.
Do segundo dado – a habilidade na fisga –, decorre o sentido da concentração relativamente ao movimento através da forma do Y. Daí à caça das imagens vivas e desta à altanaria metafísica são três passos que experimentam o inteiro Y. Mas que passos! Caminhamos simultaneamente com um pé no ar, ou no céu, e o outro na terra. Embora a dado momento cumpra pôr os dois no céu; e decerto, reaprender a caminhar ao ritmo da própria luz. Através do centro do Y da fisga ordenava o futuro neopitagórico criacionista o seu mundo. Rodando-a nos quatro sentidos, sintetizava em imaginação a forma octogonal, enquanto sublimava o alvo (no fim, a cruz templária de Portugal).
Na imagem do octógono se fundem a terra (simbolizada no quadrado) e o céu (simbolizado no círculo), como o ilustra ainda a própria linguagem, que em muitas línguas liga ao número oito a palavra noite. Entrando na arquitectura manuelina, com suas árvores de pedra que tocam as estrelas, aproximamo-nos do mistério de Portugal.
Assim o recordou o nosso filósofo, cujas asas se soltaram agora em direcção ao oitavo céu – o da ilha onde todos nos reunimos.
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*Este escrito de Rodrigo Sobral Cunha será publicado no próximo número da revista NOVA ÁGUIA, em homenagem a António Telmo.

1 comentário:

  1. Conjuntamente com um texto do próprio António Telmo: "O sentido da Renascença Portuguesa", de 1955.

    Abraço a todos.

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