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domingo, 8 de maio de 2011

LANCES E RELANCES, 3















PORTUGAL ÀS ESCURAS

Eduardo Aroso

Na noite de sete para oito de Maio, passava eu acompanhado de uns amigos na estrada mesmo em frente do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, vulgo Mosteiro da Batalha, quando fui acometido de um súbito mal-estar, desses que não devem estar catalogados nos compêndios de medicina, mas que ainda existem (digo felizmente) em Portugal. Tinha eu sugerido ao condutor do automóvel para abrandar a marcha, já que àquela hora da noite o trânsito era quase nulo, não pondo, por isso, em perigo a manobra progressiva de abrandamento do veículo. Preparávamo-nos para esse olhar que é um olhar que não cansa: contemplar a fachada principal do Mosteiro, porventura o mais emblemático da nossa independência e soberania. Mas – oh, luminoso Arcanjo Miguel! – o monumento estava completamente às escuras! Deprimente panorama. Visão que tudo amesquinha: o espaço ao redor, quem vê e certamente quem é responsável pela situação. Parece não haver um ou dois holofotes para ali colocar, retirados de onde, tantas vezes, abundam em excesso para clarear lantejoulas fúteis.

Portugal só não está todo o santo dia às escuras porque temos a graça do sol, por cujos benefícios nenhuma EDP nos pode cobrar o que quer que seja. Todavia – e isto não é menos grave, devendo perdurar depois de pagos os juros da dita dívida – num outro sentido estamos as vinte e quatro horas completamente às escuras… Essa escuridão não se remove com dinheiro, ou com uma operação de mercados ou com outra acção diferente. Enquanto eu olhava, sem ver, em amargo êxtase, a fachada principal do augusto monumento, quer pela arquitectura quer pelo símbolo que é, ia pensado nos actuais acontecimentos em Portugal e interrogava-me assim: por que é que a chamada troika não “cortou” no excesso de indigência mental que nos governa?

E, enquanto pensava que disto eu nada poderia esperar, ia tecendo silenciosamente um poeminha (como diria carinhosamente Agostinho da Silva), primeiro em jeito de cantiga de alívio, ou escárnio e mal-dizer, como outrora se dizia.

Vem padeira de Aljubarrota,
Deixa agora os castelhanos.
Dá agora nos de cá
Que nos levam ao engano!

Depois, em jeito de prece, pois esta, mal grado os meus pecados, ainda poderia ser escutada por quem, diz-se, tudo ouve:

Nossa Senhora de Fátima
Já perto de Aljubarrota.
Desta vez não há vitória
No fosso da bancarrota.

Mas vós podeis ainda
Muito ajudar Portugal.
Só vós sabeis como evitar
A bancarrota cultural!

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