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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



terça-feira, 30 de junho de 2009

NO CORAÇÃO DA ARTE, 10

Cynthia Guimarães Taveira




A Tela
A tela em branco é o começo que não existe mais no mundo. Porque tudo já começou. Tudo menos esse novo quadro. O pintor tem o privilégio dos deuses. E a sua tremura inicial também. Essa dúvida perante o nada e essa força suprema do primeiro traço a partir do qual tudo fica condicionado. O pintor é a condição sem condicionantes. Ele próprio é a tela branca quando a olha. Foi a partir dessa consciência do vazio que nasceu o Verbo. A consciência não tem palavras, formas ou luz sequer. É esse sussurro clandestino que atravessa as entidades e as identidades. Ser criador é fazer parte de uma resistência absurda velando pela continuação da consciência. A alma do artista está ligada à de um deus por um fio de seda. Frágil, imenso, perene e translúcido nas mensagens. A arte só é divina porque partiu dos deuses, não por opção ideológica. O pintor não tem ideias, limita-se a mergulhar nelas, e consegue voar dentro de água e nadar no céu, não distinguindo as matérias por excesso de consciência. A tela branca é o seu berço e o seu sepulcro, alfa e ómega abraçados algures numa eternidade intuída.

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