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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 102




Das ironias sem decretos e das coisas sérias da República
Eduardo Aroso

«Paz aos homens; guerra às ideias»
Sampaio Bruno

Comemorar a república que nunca existiu seria um acto mental dos mais corajosos, digno daquele de ir na demanda do que se pressente existir, mas ao qual ainda se não chegou. Para que se não dê azo a afirmações deste teor «a república de todos e de tolos». O mesmo é dizer-se que a fundar-se a quinta dinastia, teria que haver, não direi uma que nunca tivesse existido, mas pelo menos algo naquele espírito da Ínclita Geração, pois daí até agora, atravessando 1910 e chegando a 2010, já nada nos tem servido ao Sonho. O ministro de hoje que não sai do gabinete para o país que pulsa diariamente, não está muito longe dos monarcas que já não sabiam andar a cavalo nem dançavam com o Povo, nem por este eram aclamados.
Se, ainda que de modo tosco, nestes estéreis tempos embruxelados (não disse embruxados) concebêssemos uma nova Ínclita Geração, isso já realizaria muito satisfatoriamente a proposta do período inicial deste escrito: comemorar o que nunca existiu, melhor, o que pudesse vir a ser, na certeza de uma obra maior de aura universal. Acordar para o dia que não vem no calendário, o dos altos Fados que Deus tem para os Homens que d’ Ele se abeiram para a traçar a História, fazendo definitivamente uma nova tatuagem no espírito.
O facto de Portugal nunca estar verdadeiramente presente no hemiciclo de S. Bento, compreende-se pelo meio espaço. Quando muito, só lá anda metade, e mesmo assim seria preciso que os bancos da dita assembleia estivessem todos ocupados, coisa rara! Portanto, ou vamos para a «táctica do quadrado», como em Aljubarrota, ou fazemos o círculo completo, o sol. Isto estaria em perfeita harmonia com o espírito da nossa verdadeira História, sendo um dos seus símbolos a esfera armilar. Assim, só metendo obras a sério em S. Bento é que Portugal pode ocupar o centro, e um rei-desejado ou um presidente apetecido poderá presidir sabiamente aos nossos destinos. Se há fraterpater, e fraternidade não surge por decreto ou despacho interno. Liberdade, inseparável de justiça; quanto a igualdade, fazer uma adenda à constituição para explicitar melhor esse apetecido mas incompreensível quebra-cabeças.
Se não há firme resolução para obras, querendo o tal círculo inteiro, ficamos na lua, isto é, quando está por metade, na fase crescente, não aumenta mais do meio círculo, nunca chegando a lua cheia; se é na fase minguante, fica-se simplesmente pelo nome. Ora o verbo minguar, muito se tem conjugado entre nós. E como míngua rima com língua – neste caso de um modo com pouca frescura -, diríamos estar perante mais outro paradoxo português: o povo está sem papas na língua! Ou seja, se por um lado, muita gente desta classe (que muito parece importar à república, enquanto votante) está sem comida que lhe passe pela língua - o que as mães chamam carinhosamente a papa - por outro lado parece que o povo ainda tem papas na língua! Aqui podemos distinguir dois tipos de pessoas: as do povo (povão no Brasil e zé-povinho em Portugal), as que ainda não aprenderam de uma vez por todas a mandar à fava quem não lhes deixa cultivar a terra à vontade, quem as não deixa pescar nos oceanos que, mais do que embruxados e poluídos, estão embruxelados. No ano do centenário da república, há que atentar nos tempos inesperados e imprevisíveis, dar andamento a soluções, pois quando chegar o momento do próximo acto de votar podem todos «estar sem papas na língua»!

4 de Outubro de 2010

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