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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

NO CORAÇÃO DA ARTE, 20

Cynthia Guimarães Taveira


As Mãos
Naquela loja de material de desenho está um velho pintor. Tem à sua frente, no balcão, um tubo de óleo de azul índigo. É mais do que azul índigo esse azul que está em cima do balcão. É todo o Oriente. São aqueles panos azuis estendidos ao sol sob um vento tranquilo que figuram nas imagens de um livro sobre o Japão. É um azul sintetizado entre o marinho e o turquesa nas sedas das rotas. Pousa as mãos sobre o balcão, liso de madeira, o pintor. As suas mãos são mais longas do que se esperava. Talvez por perseguirem incessantemente as cores da luz. E trazem tinta. Tinta fiel que vem com ele à rua, numa pausa. Ou numa urgência. Traz parte da obra no seu próprio corpo. Com que cores andou a pintar? Lá está: o azul índigo em falta, um rosa pálido, um dourado incandescente que brilha subitamente com um ligeiro movimento da mão. A tinta que o acompanha já é memória seca e lavável. Para quem o observa é o quadro possível: talvez um mar escuro, crepuscular e um pôr-do-sol já posto. No céu, laivos de rosa pálido e um ouro estampado no fim do horizonte como último suspiro do dia. Sim, talvez seja esse o quadro.

1 comentário:

  1. MÃOS DA ARTE

    Será que sei apreciar e descrever as mãos de quem é Arte? Reconheço que serei, sempre, incomparável a Stefan Zweig e à sua apurada descrição de umas mãos femininas em “Vinte e Quatro Horas na Vida de uma Mulher”. As mãos que lavam as cores do quadro que se imagina, conseguirão, se forem longas, delicadas e finas, rasgar as fúrias da sua impotência quando não conseguirem reproduzir os poentes das suas memórias, ou, pelo contrário, se forem calosas, grossas e curtas, fervilharão de odores orientais que descobrem em cada um dos seus dedos, transformados em paletes de rotas que se compõem em cores que o mundo desconhece, as virtudes de uma tela que dá à luz a marginalidade colorida dos sentidos que são um observatório de levezas, purezas, delicadezas ou impurezas incestuosas de cores que se amam, irmanadas pelo sentido único da cor desejada? As mãos, delicadas ou não, são o encadeamento da luz na descrição das cores que moldam no olhar de quem as visita, a vindima das subtilezas que cada cor representa nos cachos que as mãos da Arte da cor plantam nos universos das incandescências que respiram às noites, os segredos das mãos que semeiam as cores que se colhem aos sonhos do tempo.

    Jorge Brasil Mesquita

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