Avelino de Sousa publicou dois livros de poesia, Nostalgia (1988, Prémio do Município de Lisboa) e Retratos Apócrifos seguidos de Doze Canções (1991). Tem colaboração dispersa por jornais e revistas, entre as quais Colóquio/Letras (nºs 108 e 123/124). Traduz poesia, sobretudo de poetas de língua castelhana e francesa. Vive em Setúbal.
UM GALO A ASCLÉPIO
Conforme narra seu discípulo Platão, antes de morrer Sócrates entrou num banho para se purificar. Recebeu, depois, seus filhos e as mulheres da sua parentela, a quem deu os últimos conselhos.
Ainda proferiu um louvor a um servo que lhe veio anunciar o fim, após o que disse: «Tragam o veneno ou o preparem», sem se importar de ainda não serem as horas prescritas e do sol não se ter já escondido para lá das últimas montanhas. Assim pensava: “O que chegou ao seu termo não adianta adiar”.
Um outro servo lhe depositou o copo de cicuta em sua mão. Presume-se que tenha endereçado uma última prece aos deuses, após o que levou o copo aos lábios e o esvaziou de um só trago. Ante o choro dos companheiros, nessa hora funesta da partida, num último assomo de coragem lhes pediu para que dominassem as emoções.
O efeito do veneno cedo se fez sentir, começando por anestesiar os pés e subindo daí pelo corpo acima. Estava deitado e com a face coberta. Mas antes que o último sopro de vida se ausentasse do seu coração, descobriu-a e disse estas derradeiras e imemoriais palavras:
«Ó Críton, nós devemos um galo a Asclépio.
Satisfaz esta dívida e não te descuides!».
Significava, com elas, que se curava da doença da vida e tal como o galo é o arauto da aurora, assim ele entrava pelos portões da vida que não fenece, saudando o sol da imortalidade.
Avelino de Sousa
Obsessão de Juan Ramón Jímenez, a eternidade, ou infinidade, ou imensidade, ou imortalidade, é-nos dada, aqui, como canto, ante-matinal, do galo, que devemos todos a Asclépio, porque a morrer andamos aprendendo, ou, o mesmo será dizer, a filosofar aprendendo nos continuamos andando.
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