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terça-feira, 1 de junho de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 61



A revolução pela ternura e pela bondade
Eduardo Aroso

Todas as páginas que traçam a fundo a História são escritas com marcas de sangue, quantas vezes com a hábil manipulação de quem sabe que tal regime está prestes a cair. Então há sempre quem se adianta para tomar as mesmas rédeas de violência, opressão, de domínio mais ou menos coercivo. Todas essas páginas ditas revolucionárias são incrustadas com letras de sangue – as bandeiras vitoriosas de alguns e os gritos de injustiça de outros. Emocionalmente, imaginar tais momentos na vida das sociedades, leva-nos a retroceder outra vez à “ferida”, como se sentíssemos os acontecimentos, uma espécie de ponto de partida para uma nova vida, uma nova reforma, um outro ideal no caminho.
Mas a maioria das pessoas pouco observa da Natureza e não repara, por exemplo, que os longos ramos das árvores, sobretudo se carregados de neve, só não quebram porque balouçam suavemente; cedem, dir-se-ia na linguagem humana com complexos de fraqueza. E assim parecem fraquejar às arremetidas da ventania, à força indomável da tempestade. A verdade é que o ramo cede e por isso ganha a sua integridade com o tronco da árvore. De outro modo, quebrar-se-ia. Assim, parecendo ser fraco, permite-se um movimento de ajuste que o leva à vitória da permanência sem rotura. O mundo existe. A Terra, apesar das injustiças e das guerras, mantém-se na sua ordenada órbita. Tudo isto porque uma estranha e poderosa força (qual oceano que recebe todos os rios de luz), feita de todas as invisíveis ternuras e actos amorosos, chega-nos como os pirilampos numa noite quente de Maio. Levam-nos ao espanto. Essa diferença tão singela que nos faz depois olhar outras luzinhas longínquas no espaço... Belo alcance dos nossos olhos feito da ternura macia dos pirilampos, a sua condição vital.
Ninguém conta os milhares de abraços diários em todo o mundo, verdadeiros manifestos de fraternidade. Poucos há que registam os inúmeros sorrisos e gestos de simpatia que se cruzam nas grandes avenidas e escritórios, movidos pela força irresistível da Vida quando encontra os canais apropriados. A verdadeira revolução é silenciosa, a daqueles que nada reclamam para si e que são «o melhor do mundo», como disse o poeta. Elas são - sem saberem - o que são e o que dão. Refiro-me às crianças, como é natural. E naturalmente o mundo é sustentado por cada gesto de ternura, por todos esses incontáveis movimentos, mesmo que ninguém os veja, porque o sol desponta a cada manhã, oculto todavia para quem ainda dorme. O aroma dos pinhais oferece-se, com mais intensidade, a quem deles se abeira, e não àqueles que se refugiam nos subterrâneos do vício.
A revolução silenciosa é a dessas florzinhas loiras, morenas, mestiças, que dão cambalhotas, das flores traquinas que não estão quietas, que dançam a pequena e pura valsa do presente, e garantem já a marcha triunfal do amanhã. Naturalmente, as crianças. Elas que naturalmente fazem com que a monotonia das horas se renove com um sorriso azul na pele macia de esperança, renovação em busca da alegria original do mundo, que fomos perdendo, dispensada em Graça, no princípio, a todos os seres. A bondade que é o verdadeiro mel feito por elas, a cada hora, um coro de mansas abelhas, de melodias como aspirinas para a alma. E o mundo à procura do ácido metálico para um desenvolvimento insustentável!
A bondade de quem cresce com tanta graciosidade e beleza, que só poderíamos encontrar semelhança nos talos mimosos de certas plantas primaveris. Ternura de um olhar que, mesmo sossegado, a um canto da sala, tem o amplo movimento das aves do espaço. Um olhar que mesmo sonolento cintila com todas as cores do arco-íris. Oh, com a cor do sonho que cada criança traz para a guiar sempre na direcção da sua estrela polar ou do seu destino.
17-05-07

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