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Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



domingo, 29 de agosto de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 88

Crónica terceira da beira-mar
(Ou a ligação Figueira da Foz - Estremoz)
Eduardo Aroso

Na manhã de 21 de Agosto, encontrava-me eu no lugar onde sempre vou quando estou de férias à beira-mar: um pequeno miradouro lá para os fundos de Buarcos, quase no Cabo Mondego. De espaço agradável e recatado, foi, para mim, com o tempo, moldado em lugar, à custa de tanto o cotear, de estar ali sentado.
Tinha eu acabado de tirar da bolsa a tiracolo a Gramática Secreta da Língua Portuguesa, de António Telmo, para mais uma leitura, uma revisão que parece nunca ser definitiva. Mas, desconhecendo o porquê (agora sei), dei comigo a olhar o mar até à linha última do horizonte; a partir daí continuava na imaginação… Em vez de começar a reler a referida obra – uma espécie de pedra-angular da nossa linguística que os construtores (linguistas oficiais) têm rejeitado – eu pensava vagamente em não sei quê onde, subitamente, também se cruzou uma memória, à maneira de uma gaivota que se atravessasse ali no miradouro à minha frente. Recordava uma das agradáveis viagens a Estremoz, com os companheiros Raul Traveira e Manuela de Azevedo. Mas agora palpitava em mim a pungência do tempo, realidade, embora eivada de subjectivismo, a que nenhum ser vivo escapa. Mas como nada é em vão na Natureza, atravessava-me a ideia de ciclo, seja o de uma vida, um projecto, uma civilização, e que os movimentos dos corpos celestes tão bem elucidam; basta olhar para o ciclo lunar, o mais curto, por isso mais perceptível. À tristeza de haver fim, juntava-se a alegria de que (assim é também o fruto) a semente é a esperança feita verdade da continuação. Na Obra da Criação não há fins definitivos, pois seriam contrários à essência do Amor.
De repente, ouço as badaladas do sino da Igreja de Buarcos. É meio-dia. Já em casa, consultando o blogue Filosofia Extravagante, leio a notícia que confirmava o meu pressentimento. À minha volta, fez-se uma espécie de nevoeiro. Por momentos, os objectos e alguns gestos corporais deixaram de ter sentido, tão envolvido eu estava numa nuvem que parecia conter apenas a suprema importância da comunhão dos espíritos. Nesse dia, à hora do pôr-do-sol, voltei ao miradouro. Fui lá para lançar estas palavras:
Suavemente pelo mar
Numa casquinha de noz,
Envio esta oração
Direitinha a Estremoz
.
Intencionalmente, sobre o mar sem fim que é português, dirigidas a um pensador português, por isso universal, que se manteve fiel a si mesmo e a Deus, e que acreditava (acredita) – como nos diz no final da sua História Secreta de Portugal – que «face à acção sobre as consciências individuais e pela montagem de sucessivas barreiras no plano do ensino » (…) «resta apenas uma saída: a de ficar só, completamente só em si mesmo e a de nessa solidão se manter firme, não cedendo um ponto». António Telmo não terá cedido nunca e, felizmente, pelo menos quanto aos que o acompanhavam, na mesma comunhão «com a pátria, com os seus», nunca esteve só.
O filósofo deixou o seu corpo físico nas vésperas desta Lua Cheia, quando o nosso satélite, transbordando de luz, culmina nos primeiros graus de Peixes, signo regente de Portugal, iluminando mares, rios, montanhas e planícies. Há seres que nos marcam e obras que nos iluminam.
Agosto de 2010

2 comentários:

  1. Belo Texto. O António Telmo deixa muitas saudades. Por mais voltas que sejamos forçados a dar, no fim, o que conta, é sermos boas pessoas e o António Telmo era muito boa pessoa.

    Cumprimentos da Cynthia

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  2. Ser boa pessoa, assim me parece ser o essencial. Quando, hoje em dia, o mundo diz a torto e a direito que «tudo está na cabeça», «tudo está no cérebro» é uma pura mentira. É claro que o desenvolvimento do homem enquanto ser pensante teria de passar pela mente, mas também é certo( e, neste ponto, nem precisaríamos de ler Guénon, bastaria ler a Bíblia) que a verdadeira fonte de sabedoria está no coração, o lugar misterioso do ser. Conhecimento sim, mas a verdadeira sabedoria só pode surgir das “núpcias alquímicas” da mente e do coração.
    A distância de Coimbra a Estremoz foi um factor que impediu que eu visitasse mais vezes António Telmo, pois também não conduzo automóvel. Quando eu digo que há «homens que nos marcam» senti perfeitamente isso com o caso de António Telmo. Conhecemo-nos em Alenquer ( terra tão carismática), na década de 80. Havia um repuxo. Agostinho da Silva juntou um grupo de pessoas. Naquela altura eu andava a ler «A História Secreta de Portugal». Eu sabia que António Telmo estava lá. Alguém já lhe tinha falado em mim. Quando nos olhámos pela primeira vez, fixámos os olhos um no outro (não sei evidentemente o que ele sentiu. Da minha parte, senti um saudoso arrepio, como fosse um reencontro de algo longínquo no tempo, mas que não morrera. E dissemos quase em simultâneo: Você é o Eduardo Aroso? Você é o António Telmo? Bendito esse momento, ali na terra, também, de Isabel de Aragão. O nosso roteiro foi sempre o da Rainha Santa: Coimbra (onde realizei, com o Joaquim Domingues, um encontro sobre profetismo e onde veio também António Telmo, entre outros) Alenquer e Estremoz, lugar onde expirou a Santa Rainha e o saudoso Amigo.
    Os meus cumprimentos
    Eduardo Aroso

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