(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



sexta-feira, 27 de agosto de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 85

Joana
Cynthia Guimarães Taveira

Quem és tu, Joana? Misteriosa mulher, talvez feia, talvez bonita. De onde vens? Quem te trouxe assim nas asas do vento? Serás de Ontem ou de Amanhã, serás princesa ou vagabunda? Uma imagem de alguém, um alter ego tímido? Quem és? Porque nos interrogas em jeito de humilhação pública? Que mal te fizemos? Que silêncio é o nosso que não suportas? Porque dizes que falamos para o nosso umbigo pois se um blog é coisa pública e nunca fechámos as portas a ninguém nas nossas palestras nem nunca recusámos um livro a quem o desejava e nunca voltámos costas a quem nos procurava? Que se passa? Será que nos conheces? A Filosofia Portuguesa não é propriedade de ninguém. Acontece, assim como a respiração. Acontece quando se trocam impressões, quando se escreve, quando se poetiza Queres um sistema filosófico, Joana? Procura-o nas terras de Kant onde os filósofos também servem para acertar relógios…
Joana, deixa que te diga que não há Quinto Império sem Pátria, que não há demanda sem centro difusor, que o acordo Ortográfico é perigoso para a língua porque deixa de haver um tronco que dá origem aos ramos, que a cultura que em Portugal vivemos, desde o bacalhau com batatas até Fernando Pessoa é a matéria-prima do nosso pensar, que a geografia nos molda a alma como a a arquitectura nos pode mudar o estado de espírito. O Império do Espírito Santo não se faz do dia para a noite, se o queremos já corre-se o risco de uma globalização que é o oposto do Império. Quem anuncia a morte de Portugal é quem anuncia a morte da própria terra que pisamos e, enquanto esta não for engolida pelo mar, há sempre Sintra, há sempre o Marão. Quem anuncia a morte da Filosofia Portuguesa anuncia a morte dos habitantes desse território porque pensar faz parte do homem. Porventura julgas que António Telmo nada aprendeu com os pescadores de Sesimbra? Enquanto houver portugueses, se Deus quiser, há-de haver sempre alguém com amor pela sabedoria. Não vês Joana, não pudemos ir para a rua com bandeiras e manifestações, de nada serve o mediatismo das nossas acções, dos nossos pensamentos pois eles não tentam vender uma imagem, eles estão situados na esfera do Ser, mais próximos do Espírito do que da televisão. Que queres, Joana sem umbigo? Que defendamos aquilo que não necessita de ser defendido porque simplesmente existe? O Miguel Real está desencantado com o país, quem não está? Andamos tristes. A nossa resistência está na vivificação da memória dos que já partiram, nas nossas leituras, nas nossas conversas, nas nossas palestras, nos nossos pequenos e humildes textos que vamos escrevendo. Queres nomes como o de Teixeira? Queres um génio nacional já? Não o peças a nós, pede-o a Deus, porque a Filosofia Portuguesa não é propriedade de ninguém e bem lá no fundo só a Deus pertence. Joana, não sejas tímida. O pouco que fazemos, assinamos, no pouco que dizemos revelamos a nossa face. Sê assim, como nós. Assina o que escreveres, se escreveres eventualmente...E quando falares revela a tua face. Estamos certos que és bonita e não vens por mal. Até sempre, Joana.

10 comentários:

  1. A Filosofia não é propriedade de alguém, logo não preciso de vos revelar um perfil de quem sou para poder falar. Sou portuguesa e falo português, deveria bastar.
    A minha paixão enfureceu o discurso, mas pretendia criar uma reacção apenas, não quero humilhar quem me ensina. Como se sente um aluno ávido quando o professor não defende o que acredita?
    Eu sou a próxima geração: estou no meio de um pensamento que fervilha entre o científico, a inovação, a tecnologia mas que se recusa a deixar o misticismo e a intuição como o seu fundamento – como creio que foram todas as gerações anteriores e como será sempre.
    Fervilhamos, como disse. Como vamos estar atentos a palestras e leituras e às interpretações de palestras que já foram dadas, leituras que já foram feitas e interpretações de leituras já estudadas? Queremos criação; a verdade, meus amigos, é que vocês são detentores de um útil conhecimento que poucos têm. E sabem-no. Já estive convosco nalgumas ocasiões e o grupo é sempre o mesmo, a mensagem é sempre a mesma, o ouvinte é sempre o mesmo. Não é fácil divulgar ou espalhar, mas e se o conhecimento não chegar à minha geração, a mim? Tenho de ir para a Escola aprender? Mas depois volto e aprendo e faço o que hoje rejeito! Como qualquer um também não sei qual é ou se é este o caminho, mas se os fundamentos em que acredito se desmoronam agora, como continuo?

    Joana

    ResponderEliminar
  2. Joana

    Somos poucos e parecemos um pouco repetitivos, bem sei. E, dos poucos que somos, poucos criam algo de novo, bem sei também. A repetição pode ser uma forma de não deixar morrer a memória, por isso, já tem algum mérito. Quanto à criação cabe a cada um de nós fazer o melhor que pode. O Pedro Sinde tem escrito livros muito interessantes (podem ter muitas influências, mas sao boas), o Pedro Martins tem seguido um percurso muito interessante, tanto pelo facto de não deixar morrer a memória de Álvaro Ribeiro como pelo seu lado genuinamente interessado nas artes plásticas e no mundo das coincidências. O Pedro Paixão, quando um dia estiver menos ocupado, terá um papel de decifração da nossa arquitectura tradicional, a Isabel Xavier continuará a escrever poemas íntimos e universais e ainda hei-de ver a Maria do resgate a reeventar-se nas suas peças de joalheria. O Pedro Seca observa e acha pontes com o Oriente, assim como o Luís Paixão. O António Carlos Carvalho continua a ser um contador de histórias exemplares. Está bem, as histórias são velhas mas são necessárias. O Carlos Aurélio continua no seu atelier, seu mundo, a pintar imagens sobre o seu Portugal imaginado e ainda a escrever textos com muito valor. Amigos juntam-se com uma ideia, com um poema, com mais uma história que aconteceu. Há ainda os mais novos como o Paulo ou o Pedro, que como muito novos que são, apalpam ainda o terreno procurando o seu caminho. O Rodrigo tem um percurso sui generis, uma obra que, numa parte está ainda muito ligada ao academismo e por outro lado, parece ter descoberto que a caneta se solta para além das demonstrações universitárias revelando bom gosto e criatividade. O legado dos nossos filósofos (se é que podemos chamar-lhes filósofos no sentido académico do termo, veja-se o caso de António Telmo) é tão forte que é muito difícil criar algo de absolutamente novo a partir da raiz (se é que isso é possível). De maneira a apaziguar a sua alma e se gosta de tecnologia, ciência e coisas similares aconselho-a a ler estudos sobre alquimia. Os chamados filósofos da natureza estão sempre a surpeender-nos com as suas descobertas feitas do casamento do céu e da terra e ainda, como tem um lado místico e intuitivo, pode ler Dalila Pereira da Costa, a nossa grande mistíca. Com ela tudo muda e, muito mais facilmente achamos o nosso caminho. Quanto a mim, vou escrevendo uns textos para o blog e para os Cadernos. Não me sinto escritora nem filósofa. E relativamente à criação está convidada a vir a nossa casa ver os meus quadros: são simbólicos, misticos e originais. Ninguém os quer expôr porque dizem que são pouco contemporâneos, mas são criações, genuínas e plenas de mensagens e de filosofia. Ficaria a conhecer também os nossos gatos que, com a sua fleuma e sensibilidade, tanto nos ensinam.
    Provavelmente esqueci-me de alguns nomes do nosso grupo extravagante, não foi de propósito, foi apenas porque estou com pressa para ir ao tribunal resolver uma questão laboral.

    Com os melhores cumprimentos,

    Cynthia Guimarães Taveira

    ResponderEliminar
  3. Cynthia,

    Falei em termos gerais. Falei pela geração que conheço, que não faz a menor ideia de que tão sublime grupo existe! Que não faz a menor ideia de que aquilo que pensa agora, ganhando forma ou direcção, pode mudar alguma coisa ou pelo menos definir um rumo - aqueles que até nos podiam ensinar alguma coisa estão carregados de arrogância e cheios de manias intelectuais.
    Estarei a ser demasiado infantil ao pensar isto? Dir-me-ão que um dia todos acreditamos na mudança, mas que isso passa...Bom, vou-me deixar de vãs revoluções.
    Muito obrigada pela paciência e pela voz terna e apaziguadora que, apesar de um pouco ressentida, teve comigo mas não se esqueça: eu sou a aluna. Obrigada também pelos conselhos e pelo seu amistoso convite, encontrar-nos-emos um dia certamente.
    Compreendo perfeitamente o que diz, também concordo que é sempre bom preservarmos as nossas memórias, seja de que maneira for.

    Continuarei a ler o vosso blog, que já descobri há algum tempo e vou continuando a aprender alguma coisa.

    Joana Correia.

    P.S.:Assinarei sempre que intervir, mas creio que vai saber quando sou eu.

    ResponderEliminar
  4. aliás, EDUARDO AROSO:

    *Peço licença à Cynthia e à Joana para entrar um pouco na vossa saudável
    conversa (já veremos porque lhe chamo saudável). Antes de mais, permitam-me
    um ligeiríssimo intróito: costumo guiar-me por um pensamento de Sampaio
    Bruno - entre outros, de outros autores –«paz aos homens; guerra às ideias».
    A frase, simples mas rica de conteúdo e clareza, entende-se perfeitamente.
    Este blogue é um espaço de liberdade, da sagrada liberdade que, por assim
    ser entendida, cria um clima de respeito (diria até de nobreza, em sentido
    amplo do termo), mesmo que as ideias não sejam de todo convergentes. Há,
    porém, uma garantia digna de atenção: quando a divergência é no campo do
    espírito, isto é, quando acreditamos em Deus, sabemos que o mundo não anda
    ao acaso, e por árduo esforço percebemos que os grupos humanos (as pátrias,
    por exemplo) têm um rumo que, é certo, se vislumbra melhor em certos
    momentos da vida, etc., então as divergências acabam por ser convergentes.
    Quando os apóstolos (repare-se que não foram todos, porque tinham níveis de
    adiantamento diferentes) questionaram o Divino Mestre, sobre quem seria o
    maior entre eles, a lição, na forma de resposta, veio imediatamente.

    Indo então ao assunto, e pedindo já à Joana que não tome o que vou dizer
    como “lição”, pois (talvez com alguns anos de idade a mais) sou o eterno
    caminhante na busca do Reino do Pai. Desta vez a “via-sacra” foi em
    Portugal, por isso o tenho que amar, antes de mais, e entendê-lo. Ou seja,
    se eu não amar a minha pátria (onde o Destino me colocou) como posso amar as
    outras pátrias? Só assim se entende o conceito «ser (verdadeiramente)
    português é ser universal. Prossigamos.

    Devo felicitá-la pela sua inquietação interior, e que não me parece ser
    capricho de moda. É sabido que os grandes seres se inquietaram e
    questionaram. Nem um deve ter escapado. Como alguém já disse «o caminho da
    iniciação é escarpado» e tem muitos escolhos, tanto no visível, como no
    invisível. É a sua inquietação e indignação pela situação em que estamos,
    que a leva certamente a procurar o caminho. A Joana sente que há um caminho.
    Procure, com sinceridade e persistência, o caminho, pois mesmo que lhe
    pareça que ainda não encontrou, já o estará percorrendo. Neste primeiro
    ponto, a Joana já tem motivo de regozijo.
    Quanto à questão do “mesmo discurso” das palestras, do pouco público, etc.,
    isso é um sinal inequívoco de que o assunto é sério e essencial. Se fosse
    uma moda (e todas as modas passam depressa ) tinha muita gente. Veja o que
    acontece hoje com a música e com a literatura. Um livro importante, que
    venha fazer a sua marca no tempo, não se vende. O assunto é vasto; terá que
    ser continuado. Cara Joana: « o único fracasso é deixar de lutar». O seu
    caminho está à sua espera. Só ele a consente: é a sua via. Mas também ouvirá
    sempre a voz dos companheiros. A solidão como disse a Flávia, «é uma amnésia
    cósmica».*

    *Eduardo Aroso*

    ResponderEliminar
  5. Obrigada, Eduardo Aroso pelo seu olhar atento.

    Cynthia

    ResponderEliminar
  6. Eduardo,

    Se acredita no Destino acredita no Acaso? E se por ventura acreditar no Acaso, dirá que, como acaso que foi "aqui sermos colocados", então não fará sentido falar de Pátria, amando-a e respeitando-a?
    Se acreditasse no Acaso...

    Eu creio que a Pátria é um reflexo do que somos ou nós o reflexo do que é; a ideia inata primordial que há em nós, se estas existirem. Penso que concordo consigo quando diz que fomos "aqui colocados" por alguma razão e então parece mais Destino do que Acaso...

    Bem, como está tudo ainda muito indeciso e tremido eu não posso dizer mais, mas muito obrigada pelas suas graciosas palavras.


    Até à próxima!


    Joana Correia

    ResponderEliminar
  7. Cara Amiga Joana,

    O acaso é uma desculpa da nossa incompreensão. Na complexidade da vida, agimos e reagimos, mas os actos escondem forças várias que levam a determinados efeitos. Repare no seguinte: a electricidade, em si, é invisível; a luz que vemos é uma manifestação no mundo sensível, porque existe um filamento feito disto e daquilo, etc. Sentimos o vento porque ele encontra uma resistência; caso contrário seria bem diferente. Nós passamos por determinadas experiências, agradáveis e desagradáveis, devido a acções (causas) que colocámos em marcha e das quais não nos lembramos. Estranho? A amiga lembra-se de tudo o que fez no dia 30 de Agosto de 2009 ou 2008? Ou tudo o que fez aos 20 anos? Mas fez, todos fazemos, e olhe que quando, por exemplo, abusamos da comida ou da bebida, se não arrepiamos caminho, mais tarde sofremos as consequências desses actos pouco equilibrados.
    Há portanto o destino individual, mas também há destinos colectivos. Fernando Pessoa disse que «não se nasce em Portugal por acaso» como, de resto noutro lado, nem por acaso estamos em determinada família ou temos a profissão x ou y. Ora é aqui, neste conceito de destino colectivo, que a pátria – quer se goste ou não da palavra e da ideia – é uma realidade. Não é abstracção como alguns pensam. Há certamente ideias diferentes de pátria (o sol existe independentemente do conceito que dele faça um ignorante ou um astrónomo de primeira linha). Na pátria tudo nos envolve, desde o conceito que vai do locus, da terra, dos costumes, às ideias, ao pensamento estratificado de uma colectividade humana durante séculos. Veja que F. Pessoa, ao escrever a «minha pátria é a língua portuguesa» porventura talvez quisesse dizer que as pessoas poderiam já não ter o mesmo espaço físico (território, nação), mas viverem sob um mesmo “tecto”, estarem na mesma pátria. Não é difícil de conceber, se pensarmos um pouco que pela língua – e neste caso pela Língua Portuguesa – podemos pensar, sentir, viver, digamos todos esses elementos constituintes, pois a língua é o sinal, símbolo se quisermos, que, num plano superior manifesta tudo isso. O filósofo Heidegger disse isso mesmo: a língua é a nossa casa.
    É verdade o que a Joana diz «A pátria é o reflexo do que somos». Eu diria mais: reflexo do que temos sido ao longo dos tempos. E isso, para o bem e para o mal é que pesa sobre nós. Uma pátria é o contrário de uma constituição que se faz numa semana, se os deputados não estiverem a ler o jornal ou a telefonar. Porém, para haver uma pátria, é necessário muito tempo (séculos) e ela cria-se com a vida de todos os seus filhos, como o corpo humano, para estar bem, necessita de todas as células que foram previstas pelo Criador, sob pena da criatura não andar bem de saúde.
    Este assunto, como é sabido, é inesgotável, mas digo-lhe sinceramente que aquilo que mais me tem impressionado ao longo dos anos é o modo como muitos (os que negam de várias maneiras, mais ou menos radicais no conceito) dos que se têm debruçado sobre o tema, não verem o que é essencial e óbvio.

    Os meus cumprimentos
    Eduardo Aroso

    ResponderEliminar
  8. Eduardo Aroso,

    Bom dia.

    Espero um dia poder falar consigo pessoalmente ou mais intimamente porque a conversa continuaria, sem dúvida, mas não me sinto confortável de tê-la num blog.

    Foi por isto que ainda não respondi,


    Joana

    ResponderEliminar
  9. sois todos uns alienados

    ResponderEliminar