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quarta-feira, 2 de março de 2011

EXTRAVAGÂNCIAS, 124


Resistir

Cynthia Guimarães Taveira

A aproximação ao mar
É um passo místico
Onde sob a rocha
A terra se recolhe
E o mar ofusca

Há fronteiras
Que não se evadem
Por simples desejo

Essas linhas
Da beira-mar
E do horizonte
Na sua arte de sedução
São a mesmas
Das viagens
Que se encontram
Entre a alma e o céu

A escuta das ondas
É a vertigem
Pedida da música celeste
E este estarmos sós
Perante Deus, o absoluto do céu
Gera uma mágoa
Que faz companhia
Apesar de tudo

Estes portugueses
Zés ninguém
Esses ninguém que são
E que bateram à porta do mundo
Como a única possível
Quando já se é ninguém
São discípulos da terra
São calos de cordas puxadas
Erguendo velas

No confim da ilha bem-aventurada
Ecoam os seus fantasmas
Nas sangrias do fado
Revelando a memória
Que se quer esquecer

Nunca resistiremos
Pois nunca resistimos ao mundo
Só as cordas resistem
De pedra talhada

Quebramos com os outros
Por sermos esse ninguém
Que num dia de chuva
Nos bateu à porta

Os americanos que venham
De línguas afiadas
Em inglês anasalado
Dispor das nossas réguas e esquadros
E das ruínas da nossa saudade
Acasalar-nos com um progresso
Desvairado e grotesco
Que nunca diremos não

Só as cordas resistem de pedra
Subindo pelo monumentos
Torneando-os, amarrando-os
Fixando-os para sempre
Até ao dia em que a nossa alma
Por um lapso divino
Seja também ela
Pedra
Rosa-pedra
Perene
Resistente
Inabalável na verdade
Fixada
Torneada
Amarrada
A Deus

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