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domingo, 28 de novembro de 2010

EXTRAVAGÂNCIAS, 110


Portugal sonhado
Cynthia Guimarães Taveira

Hoje acordei com um sonho estranho e com uma confusão paradoxal. Sonhei com a essência de Portugal. Era uma arriba que se elevava do mar praticamente na vertical. Uma arriba comprida para cima. Incrustada na arriba, em pedra branca, ligeiramente translúcida com laivos subtis de âmbar, estava esculpida uma cara de criança aí com uns três anos de idade. Essa cara era a proa de um barco e esse barco era Portugal. Não era uma jangada de pedra, era um enorme barco. A expressão da criança que havia sido esculpida era tão forte como o mar (nela havia determinação, inocência e uma certa violência contida). A criança, que era a alma de Portugal, tinha exactamente as mesmas propriedades que o mar. Do sonho ficou-me a lição: Portugal era, no seu âmago, todo virado para fora, Portugal era de natureza marítima, Portugal não era uma jangada de sobreviventes, era um barco imponente, carecendo de movimento.
O paradoxo é este: como é que estando a imagem de Portugal tão afectada pela miséria, pelo desnorte, pela corrupção, pelos sucessivos maus tratos de que é alvo se vai ter um sonho destes? Como é que o sonho tem a capacidade de retirar o excesso e de se ficar apenas com a essência? Com que mundos paralelos lidamos? Só somos saudáveis nos sonhos e esses sonhos são reais. Inesquecíveis pela concentração de mensagens, verdadeiros trampolins no espaço e no tempo, imprescindíveis se amamos a vida, irmãos gémeos da nossa alma, encobertos pelo sono. Mas estão lá.

2 comentários:

  1. A Cynthia levantou uma questão fundamental. Cada vez mais tenho para mim o facto dos sonhos serem, acima de tudo, verdadeiros. Sonho frequentemente com uma Lisboa que não existe, muito diferente da real e mais estranho do que isso, diferente de sono para sono. É como se, cada uma dessas Lisboa, fosse uma parte intensificada de uma Lisboa arquetipal. Cada uma delas é um momento verdadeiro, tão verdadeiro quanto uma cidade real nunca o poderia ser.
    Alexandra Pinto Rebelo

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  2. Sonhar é estar mais perto do arquétipo. Este, podendo ser de algum modo modificado, é muito mais duradouro, apresentando assim uma estabilidade no tempo. O resto que vemos no dia-a-dia, são excrecências do que permanece. A roda anda pela (paradoxal)imobilidade e estabilidade do eixo!!! Se Portugal tem (ainda) uma missão - no plano espiritual, e só aqui - como creio firmente, então o arquétipo permanece, podendo os deuses modicá-lo no que necessário for. Portanto, sonhemos loucamente, para estarmos mais perto da realidade.

    Eduardo Aroso

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