(os textos assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores)

Leia aqui a homenagem da Fundação António Quadros a António Telmo.



quinta-feira, 1 de outubro de 2009

NO CORAÇÃO DA ARTE, 23

Cynthia Guimarães Taveira




Dias
Outros dias, pinta o pintor. Lua, outra lua, um luar e uma aurora. Não mede os dias em que pinta. Passa-os pelo pincel. Alisa-os na tela.
Outros dias que não os nossos. Assim presos sem passarem, num quadrado de ilusão. Pinta outros dias, dias que nunca existiram, que nunca passaram, dias longe dos dias. Pinta-os num outro horizonte, na outra margem da vida, aquela do sonho. Dias e noites assombrosas e guerras que nelas houve, e olhares que neles se cruzaram. Súbitas flores irrompendo na multidão dos sonhos à beira de um universo novo. Pinta-os devagar e deixa-os estar para sempre quietos, janelas sobre outras histórias nas paredes da sala, ligando lugares equidistantes com a facilidade de um olhar.

2 comentários:

  1. Tece, o pintor, uma teia na sua tela?
    Arma em rede a narrativa, passada a pincel,
    A fim de a lançar à pesca dos dias perdidos?


    Fu's

    ResponderEliminar
  2. O PINTOR DO FUTURO

    O pintor abriu a janela do seu atelier e sentiu-se perfumado pela frescura do Outono que o inspirava como se fosse a pintura perfeita com que sempre sonhara. A tela, os pincéis, as cores mergulharam na obscuridade do seu pensamento e jazem inertes no meio do seu atelier. Pela sua imaginação desfilaram dias sem cores. Pegou no pincel do passado e tentou dormir com a pintura que lhe modificava cada um dos dias que viveu, sem ver nas cores que pintou, horizontes, as margens do rio que tinha sido a sua vida, a fonte da cor perfeita que nunca viveu. Da janela espreitou o horizonte que avistava e pegou no pincel do Futuro, rasgando as fronteiras dos seus limites coloridos, para espreitar nos olhares do infinito a descoberta do quadro, onde todo o mundo era uma festa de cores e os dias eram desfiles contínuos de pincéis, que mãos invisíveis manejavam com a perícia de pintores inesquecíveis, sobre cada tela que vestia o corpo de cada viajante que o viajava, sem dias, mas com olhares vivos de cor. O pintor fechou a janela, lançou um último olhar ao atelier, vestiu um casaco de cores, saiu de casa e partiu ao encontro do seu Futuro que era o quadro perfeito com que sempre havia sonhado.

    Jorge Brasil Mesquita

    ResponderEliminar