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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

ANOTAÇÕES PESSOAIS, 47


(Fotografias de Alberto Peixoto)

António Carlos Carvalho

Folheando papéis velhos (guardo poucos recortes do que escrevi nos jornais), encontrei um texto publicado exactamente há trinta anos. Lembrei-me então de visitar o hospital onde Fernando Pessoa morrera quarenta e cinco anos antes -- o Hospital de S. Luís dos Franceses, na rua Luz Soriano, em Lisboa. Levava comigo, como guia, a biografia de Pessoa escrita por João Gaspar Simões, em que este descrevia os últimos dias do poeta neste mundo.

Nessa reportagem descobri então a folha numero 13 do livro de registos do hospital, referente a Novembro de 1935. Lá encontramos assinalada a entrada de «Monsieur Fernando Pessoa» no dia 29, tendo recebido o número de ordem 1351. E a data da morte, 30. Segundo o mesmo registo, a sua estadia no hospital custou quarenta e cinco escudos. O funcionário de serviço não registou a sua morada, como fazia a todos os doentes -- porque se esqueceu? Porque não houve tempo para tal? Ou porque não havia ninguém para lhe dar essa informação? No entanto, o mesmo livro regista que este doente morreu de «cólica hepática»

Descobri também que, segundo rezava a tradição desse hospital, Pessoa tinha morrido no quarto número 30, situado no terceiro andar. Claro que esse quarto já não apresentava o mesmo aspecto que tinha nessa altura. Sofrera obras, tinham-no pintado de outra cor, tinham retirado os móveis antigos, substituindo-os por outros mais modernos e funcionais. Mas, seja como for, «alguma coisa», não sabia bem o quê, ficara ali, permanecia entre aquelas quatro paredes.

E então descobri ainda uma estranha coincidência: nesse mesmo quarto, trinta e cinco anos depois, em 1970, viria a morrer também Almada Negreiros, amigo de Pessoa…

Nunca mais me esqueci disto. E agora sinto algum reconforto reencontrando este recorte amarelado de jornal. Como se o passado nunca passasse realmente, na memória dos lugares, das coisas, das pessoas.

1 comentário:

  1. Acontecem sempre factos “estranhos” com grandes almas que vivem num corpo que, embora importante enquanto é necessário (senão não existiria), turva outras realidades. Não ficou anotado o endereço do poeta, apenas a causa da morte. Não posso deixar de pensar naquela passagem bíblica onde o divino Mestre responde a alguém que também Ele «não tem onde reclinar a cabeça». Na verdade, o espírito dispensa muita coisa, até o corpo a “casa” que anda sempre connosco enquanto vivemos aqui.

    Foi bom o António Carlos Carvalho ter-se lembrado deste artigo.

    Um abraço

    Eduardo Aroso

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