
Folheando papéis velhos (guardo poucos recortes do que escrevi nos jornais), encontrei um texto publicado exactamente há trinta anos. Lembrei-me então de visitar o hospital onde Fernando Pessoa morrera quarenta e cinco anos antes -- o Hospital de S. Luís dos Franceses, na rua Luz Soriano, em Lisboa. Levava comigo, como guia, a biografia de Pessoa escrita por João Gaspar Simões, em que este descrevia os últimos dias do poeta neste mundo.
Nessa reportagem descobri então a folha numero 13 do livro de registos do hospital, referente a Novembro de 1935. Lá encontramos assinalada a entrada de «Monsieur Fernando Pessoa» no dia 29, tendo recebido o número de ordem 1351. E a data da morte, 30. Segundo o mesmo registo, a sua estadia no hospital custou quarenta e cinco escudos. O funcionário de serviço não registou a sua morada, como fazia a todos os doentes -- porque se esqueceu? Porque não houve tempo para tal? Ou porque não havia ninguém para lhe dar essa informação? No entanto, o mesmo livro regista que este doente morreu de «cólica hepática»
Descobri também que, segundo rezava a tradição desse hospital, Pessoa tinha morrido no quarto número 30, situado no terceiro andar. Claro que esse quarto já não apresentava o mesmo aspecto que tinha nessa altura. Sofrera obras, tinham-no pintado de outra cor, tinham retirado os móveis antigos, substituindo-os por outros mais modernos e funcionais. Mas, seja como for, «alguma coisa», não sabia bem o quê, ficara ali, permanecia entre aquelas quatro paredes.
E então descobri ainda uma estranha coincidência: nesse mesmo quarto, trinta e cinco anos depois, em 1970, viria a morrer também Almada Negreiros, amigo de Pessoa…
Nunca mais me esqueci disto. E agora sinto algum reconforto reencontrando este recorte amarelado de jornal. Como se o passado nunca passasse realmente, na memória dos lugares, das coisas, das pessoas.
Acontecem sempre factos “estranhos” com grandes almas que vivem num corpo que, embora importante enquanto é necessário (senão não existiria), turva outras realidades. Não ficou anotado o endereço do poeta, apenas a causa da morte. Não posso deixar de pensar naquela passagem bíblica onde o divino Mestre responde a alguém que também Ele «não tem onde reclinar a cabeça». Na verdade, o espírito dispensa muita coisa, até o corpo a “casa” que anda sempre connosco enquanto vivemos aqui.
ResponderEliminarFoi bom o António Carlos Carvalho ter-se lembrado deste artigo.
Um abraço
Eduardo Aroso