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sábado, 14 de agosto de 2010

JAIME CORTESÃO, 50 ANOS DEPOIS, 7

Lisboa numa iluminura: clique na imagem para a ampliar

"Certos historiadores, na esteira de Oliveira Martins, representam a formação de Portugal como obedecendo a impulsos individuais e exteriores, obra de príncipes estrangeiros e dalguns barões indígenas, auxiliados ainda e sempre por estrangeiros nos lances mais difíceis. Como se vê, desde já, a formação da nacionalidade obedece a um processo bem mais orgânico e natural, em que as massas, o povo na sua totalidade de classes, religiões e raças – mescla de cristãos estremes, de Moçárabes, de Mouros e Judeus, falando todos um dialecto semelhante –, desempenha o principal papel. É da sua lenta apropriação do território por um processo secular e ininterrupto, da sua longa evolução económica até atingir o género de vida definitivo e a sua consciência de agregado á parte, que vai sair a Nação na sua feição original e suprema de povo de navegadores, que iniciou a Europa no comércio transoceânico.
“Nessa profunda renovação económica, que se realiza em território português nos séculos XII e XIII, filiamos também os progressos sociais e políticos mais notáveis das classes populares, a sua comparticipação nos benefícios da civilização material, o desaparecimento da servidão pessoal e o seu acesso às diferentes formas de autonomia local e da soberania colectiva. Uma das mais notáveis consequências dessa renovação foi um súbito recrudescimento do urbanismo e o aparecimento geral de classes novas. Ao longo das estradas de comércio, e principalmente das fluviais e da grande estrada de navegação atlântica, ou se formaram aglomerações inteiramente novas ou as antigas ganharam actividade e carácter urbano. (…) E basta lançar os olhos sobre a carta de Portugal para nos convencermos de que o maior número de centros urbanos procedem directa ou indirectamente da actividade marítima. O grande sopro de vida ou de renovação veio-lhe do mar.
“Ora foi nos centros urbanos da Idade Média que se diferenciaram as classes novas, a burguesia e os mesteres, as quais, tendo atingido rapidamente a prosperidade económica, em breve se esforçaram por alargar essas vantagens de facto, transformando-as numa situação de direito.
(...)
“Por toda a parte a burguesia e os mesteres começaram por exigir a liberdade pessoal que lhes permitisse exercer o modo de vida que entendessem e mover-se a seu talante. Com a liberdade dos indivíduos reclamaram a do solo. A terra, nas aglomerações urbanas, tinha que deixar de ser um bem imóvel e entrar em livre alienação. Outra das aspirações das novas classes foi anular os serviços e direitos fiscais dos senhores que entravavam o exercício do comércio ou das indústrias. Mais rudemente ainda se empenharam por eliminar a jurisdição do senhor, instituindo a jurisdição municipal, exercida por magistrados electivos. Finalmente a comuna exigiu a autonomia administrativa, que passou a exercer-se por intermédio dum concelho (concilium), donde o nome que em Portugal às comunas se aplicou. (…) Algumas dessas cidades conquistaram ainda outras regalias tão importantes que se elevaram a democracias urbanas, pequenos Estados, ou independentes de todo ou dotados duma certa independência dentro do Estado, como, entre nós, aconteceu com o Porto.
(...)
“A história nacional, durante os primeiros séculos, toma até, como observa Beazley, o aspecto duma aliança entre a coroa e as cidades, na luta contra as classes privilegiadas e especialmente o clero.”

Jaime Cortesão
in Os Factores Democráticos na Formação de Portugal, pp. 93-98.

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