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terça-feira, 19 de maio de 2009

PENSANDO À BOLINA, 4

Pedro Sinde


O Deus da nossa infância
A ideia infantil que formámos de Deus é, simultaneamente, um obstáculo e uma ajuda. É uma ajuda porque o pensamos como a fonte da bondade, da beleza e da verdade; e isto é causa de esperança. Acalenta-nos a ideia de que, havendo injustiça no mundo, há, no entanto, uma justiça transcendente, uma justiça que transferimos para o outro mundo. Tudo isto é bom, descansa-nos.
Porém, o pensador, o filósofo, deve olhar para a ideia de Deus com coragem, deve superar a imagem infantil que se entranhou na sua alma em criança. Para o filósofo, essa ideia é um obstáculo que não o deixa pensar livremente, que não o deixa pensar seriamente.
A parábola do filho pródigo mostra-nos nitidamente estas duas possibilidades: o filho que fica em casa é aquele que conserva a ideia infantil de Deus; o filho que sai de casa, percorre o mundo e é recebido, para escândalo do outro irmão, com uma festa, assim que retorna a casa, é aquele que não se contentou com a imagem recebida em criança. Estes são o caminho da religião e o caminho da filosofia.

O filósofo andará sozinho, será rejeitado, caluniado, será visto como um louco, mas será livre e procurará verdadeiramente. Errará, certamente, várias vezes, mas o ímpeto da demanda é mais forte do que ele; quem sabe se não é o próprio Deus a procurar-se a si mesmo no filósofo?
A maravilha do mundo, tal como nos aparece vertida na natureza, é certamente um pensamento divino - de que estranho acaso poderia ter saído tanta magnificência? -, mas nessa maravilha esconde-se o horror da morte e do sofrimento dos inocentes: é o veado perseguido pelo leão ou a criança que sofre horrores que nós nem imaginamos.
Ao filósofo cabe o duro papel de pensar o mundo como um todo, sem corpetes, sem palas, num esforço heróico e tremendo. Quem alguma vez passou pela experiência de pensar verdadeiramente o mal não poderá mais fingir que o mundo é apenas fruto da harmonia. Vemos nele essa harmonia, manifestada de um modo insuperável na natureza, mas um vento gelado, caótico, tende a infiltrar-se nela a todo o tempo.
É fácil ver a causa do bem em Deus, difícil é pensar a causa do mal.
texto originalmente publicado no blogue Maranos

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