Carta para António Carlos Carvalho
Pedro Sinde
Meu caro amigo
Escrevo-lhe esta carta no dia do seu aniversário, porque me ocorreu, ao pensar em si, uma parte essencial do trajecto que me tem acontecido percorrer. Como não importa nada daquilo que me diga respeito pessoalmente, só o vou evocar aqui para o lembrar a si.
Estamos em 1993 (há 16 anos!). Numa brochura sobre a Feira do Livro do Porto aparecem vários testemunhos pessoais, mais ou menos anódinos, sobre a relação com os livros. Um desses testemunhos, no entanto, chama-me imediatamente a atenção por causa do título: “Cinco caminhos para a sabedoria”. O nome do autor: António Carlos Carvalho. Apesar de nunca ter ouvido falar nesse nome, aquele título e a fotografia que o acompanhava fazia antever qualquer coisa de inusitado. E foi verdade. Sem exagerar, posso dizer que a minha vida mudou nesse dia.
De seguida, li, encomendado no calhamaço que era o catálogo manual da Livraria Leitura (no tempo em que não havia internet), Symboles de la Science Sacrée. Quando recebi o postal a avisar da chegada do livro, naturalmente faltei às enfadonhas aulas de “filosofia”, fui levantar o livro e “saltei” directamente para o café Ceuta para o devorar com o entusiasmo que caracteriza as primeiras descobertas. Um pouco mais tarde, viria a repetir-se esta impressão com a descoberta dos livros de António Telmo; mas esta seria outra história. Através do Reino da Quantidade tinha sentido este mundo como um inferno, com o Symboles senti a pureza e a sabedoria resplandecente da criação. Senti, como os adeptos de Zoroastro ou do evangelho de S. João, que a criação estava a ser tomada pelos filhos da treva. Se lhe conto isto, não é para falar de mim, como lhe disse, mas para que veja a importância que algumas sugestões suas puderam fazer numa alma em busca.
Pensei, nessa altura, que alguém que recomendava autores deste tipo devia saber “mais coisas”. Saí da minha timidez para ir à sua procura no DN. Mas também isto seria já outra história. Estas palavras são apenas de gratidão e para lhe lembrar que, se muitos projectos seus estão por cumprir, muitos outros cumpriu sem que disso tivesse talvez consciência – todavia, Ele sabe mais e por isso melhor do que nós decide quais os nossos projectos a cumprir, ainda quando deles não temos consciência.
Aceite o abraço grato do
Pedro Sinde
Sem comentários:
Enviar um comentário