
Heresias e dissidências
Enquanto caminhava observava as pedras do caminho.
Porque estariam elas alí? Como as evitar? Como as contornar?
Talvez a razão delas fosse tornar o caminho menos recto, mais sinuoso, mais dificil.
As pedras do caminho obrigavam-no a tocar as margens nos desvios, e a ver novas paisagens. Paisagens outras inesperadas.
Andava nestes pensamentos quando ouviu um escritor dizer que a heresia deveria ser um direito, bem como a dissidência, escrito a letras fortes na Carta dos Direitos Humanos. Estranhou, estranhou muito e pensou de si para si: A heresia não é um direito, é uma necessidade.
Tornar a heresia um direito é acabar com ela.
A heresia não é só religiosa, é também ideológica.
Houve criadores heréticos deportados para a Sibéria.
E até bailarinos heréticos exilados de um regime.
Dançavam mas também pensavam.
Não tiveram direito a dissidência, tiveram direito a fugir, a ter medo,
a não ver mais o seu país, a sua família.
Hoje todos temos direito à dissidência.
E estamos num exílio forçado, de nós mesmos e dessa misteriosa palavra
chamada Humanidade... Hoje já quase nada é herético e por isso vazio.
Tudo vale a mesma coisa, tudo tem o mesmo peso.
Não há maioria nem minoria, não há margens que nos esperam.
E o mundo entristece sem esperança, sem ideias, sem crenças.
Toda a natureza se mexe porque em algum momento é herética.
Toda a sua heresia é uma necessidade, pois na natureza não há direitos...
E os tortos fazem muita falta…
Escritor, não és herético do teu Partido e és herético para com Deus
Sorte a tua o poderes ser e poderes desprezar letras antigas. Estende mais as asas da heresia e vai mais longe, até à tua ideologia.
Nesse dia e apenas nesse dia, tomarás o gosto dos seres livres.
Não por terem nascido livres mas porque se libertaram.
Torna a heresia um direito e os homens não se libertarão mais.
E ficarão presos a uma liberdade dada mas pouco amada.
Ao contrário dos outros que a conquistaram e, por isso, a amam. No caminho do caminho, todos os passos são de libertação
E a liberdade, a verdadeira, fica sempre mais além…
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