
[Álvaro Ribeiro e a transformação dos sentimentos pela arte]
“O instinto, pela sua interioridade corpórea, nem sempre se apresenta à superfície da consciência, e mais dificilmente projecta uma imagem que o torne consciente. Só por indícios e vestígios é que o psicólogo pode descobrir o instinto reprimido, mas a técnica da descoberta já está muito aperfeiçoada pela psicologia das profundidades. Se a doutrina de Freud ganhou fácil e rápida celebridade por conter um requisitório contra a repressão daquele instinto que é objecto da maior hostilidade social, e que portanto mais obriga o homem ao vício da hipocrisia, certo é também que a insatisfação de todos os outros instintos situa a alma humana numa indeterminação doentia de que só as imagens podem dar libertação.
Na relação do instinto com o sofrimento, e do sofrimento com o sentimento, segundo um ritmo biológico que se transforma em rito psicológico, viram alguns escritores a origem das artes rítmicas: da dança, da música e da poesia. Esta origem ctónica, tão apropriada ao pessimismo alemão, foi, aliás, lucidamente descrita por Frederico Schiller, conforme nos é dada notícia em A Origem da Tragédia de Frederico Nietzsche. A arte transformadora dos sentimentos – dos maus em bons sentimentos, como diria um moralista, ou dos sentimentos depressivos em sentimentos exaltativos, como diria um político – pode ser efectivamente aplicada na regeneração sentimental e mental dos delinquentes, se for praticada em ambiente dominado também pelas artes plásticas.”
Álvaro Ribeiro (excerto retirado de A Razão Animada, INCM, 2009)
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