
SONETO À LUA
Ó lua, Ó lua! quantas vezes, quantas,
Ungindo os montes d’um clarão bendito,
Vestes de branco as árvores e as plantas,
Tiras o crepe às rochas de granito!
Além, detrás das serras te alevantas,
E, descrevendo a curva do infinito,
Tombas do mar nas águas sacrossantas…
Pálida noiva desse leão maldito!
Banhas de luz, com o teu rosto humano,
Os que passam a noite sobre o Oceano,
Quase perdidos, n’um baixel sem mastros…
E eu que leio no azul, como um Caldeu,
Não compreendo esse alfabeto, – o céu,
Sem ti, letra maiúscula dos astros!
Leça, 1885
António Nobre
SONETO URBANO
ResponderEliminarViaja pelas ruas com os olhos mudos
Vagueia só entre os bichos humanos
Admira a lua dos passeios urbanos
E dorme no sótão dos seus estudos
Observa a fama e o brilho dos escudos
Que anunciam os rótulos dos danos
Aos modelos que vivem os enganos
E espelham o drama dos Entrudos
Dança a noite dos muitos acordes
E ri-se dos sermões que são flagelos
Para quem chora mal sente os fiordes
Que se inventam aos muitos cerebelos
Que agitam urbanos certos lordes
Que o sexo não se priva em sorvê-los.
Jorge Brasil Mesquita
SONETO À RUA
ResponderEliminarA rua é a lixeira do escravo
Que esconde as montras do desejo
A sala onde se passeia o beijo
E onde se cheira e prova o travo
Que o riso das gentes afugenta
Quando os perfumes dos corpos da fome
Se movem com a febre que os consome
Matando todo o livro que se inventa
A rua escreve alfabetos de cor
E decora papéis de ilusões
Mas não assalta quem vive a dor
Porque os olhos que se hasteiam às visões
Não sentem as calçadas do humor
Porque as ruas de amor são rios de prisões.
Jorge Brasil Mesquita
SONETO À CIDADE
ResponderEliminarNas ruas desta cidade há pavões
Há telemóveis que gravam tristezas
E há olhos que fogem às belezas
Porque são presas de ecrãs sem botões
Sentado na frescura da esplanada
Olhas a calma da morte que passa
Mas não sentes na bica quem te traça
As avenidas da vida purgada
A cidade é uma rua de farsas
Que pisas como um vulgar sedutor
Mas não sabes olhar o voo das garças
Porque todas as ruas do teu pavor
São as colheitas das fugas esparsas
Que encontras nas ruas da cidade em flor
Jorge Brasil Mesquita