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segunda-feira, 20 de julho de 2009

OS POETAS LUSÍADAS, 24



[da série Nocturnos]

SONETO À LUA

Ó lua, Ó lua! quantas vezes, quantas,
Ungindo os montes d’um clarão bendito,
Vestes de branco as árvores e as plantas,
Tiras o crepe às rochas de granito!

Além, detrás das serras te alevantas,
E, descrevendo a curva do infinito,
Tombas do mar nas águas sacrossantas…
Pálida noiva desse leão maldito!

Banhas de luz, com o teu rosto humano,
Os que passam a noite sobre o Oceano,
Quase perdidos, n’um baixel sem mastros…

E eu que leio no azul, como um Caldeu,
Não compreendo esse alfabeto, – o céu,
Sem ti, letra maiúscula dos astros!

Leça, 1885

António Nobre

3 comentários:

  1. SONETO URBANO

    Viaja pelas ruas com os olhos mudos
    Vagueia só entre os bichos humanos
    Admira a lua dos passeios urbanos
    E dorme no sótão dos seus estudos

    Observa a fama e o brilho dos escudos
    Que anunciam os rótulos dos danos
    Aos modelos que vivem os enganos
    E espelham o drama dos Entrudos

    Dança a noite dos muitos acordes
    E ri-se dos sermões que são flagelos
    Para quem chora mal sente os fiordes

    Que se inventam aos muitos cerebelos
    Que agitam urbanos certos lordes
    Que o sexo não se priva em sorvê-los.

    Jorge Brasil Mesquita

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  2. SONETO À RUA

    A rua é a lixeira do escravo
    Que esconde as montras do desejo
    A sala onde se passeia o beijo
    E onde se cheira e prova o travo

    Que o riso das gentes afugenta
    Quando os perfumes dos corpos da fome
    Se movem com a febre que os consome
    Matando todo o livro que se inventa

    A rua escreve alfabetos de cor
    E decora papéis de ilusões
    Mas não assalta quem vive a dor

    Porque os olhos que se hasteiam às visões
    Não sentem as calçadas do humor
    Porque as ruas de amor são rios de prisões.

    Jorge Brasil Mesquita

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  3. SONETO À CIDADE


    Nas ruas desta cidade há pavões
    Há telemóveis que gravam tristezas
    E há olhos que fogem às belezas
    Porque são presas de ecrãs sem botões

    Sentado na frescura da esplanada
    Olhas a calma da morte que passa
    Mas não sentes na bica quem te traça
    As avenidas da vida purgada

    A cidade é uma rua de farsas
    Que pisas como um vulgar sedutor
    Mas não sabes olhar o voo das garças

    Porque todas as ruas do teu pavor
    São as colheitas das fugas esparsas
    Que encontras nas ruas da cidade em flor


    Jorge Brasil Mesquita

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